terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Doente terminal

O biquinho ofegante, os peitos saltando, os bracinhos erguidos e as mão cerradas. As sandálias de plataforma batucando as pedras do terminal antes que o ônibus partisse e ela ficasse. O vento dos seus pulmões ainda agita nossos cabelos que se prendem em fivelas e se soltam em cachos. Nossas folhas ainda se agitam inclinando em reverências trêmulas e voltam aos seus lugares. A luz mais forte, hoje, quase sempre se esconde sobre o branco do céu, e o calor da caminhada termina de se dissipar. Já quase chega a hora, mas há sempre um relógio adiantado.

A moça sai do ônibus sempre nesse horário. Por um tempo acompanho sua caminhada, por um instante me distraio e a perco. Sempre imagino seu percurso enquanto outros a esperam. Costumo calcular as horas, e gosto de deixar um relógio cinco minutos adiantado e o outro na hora certa. As pessoas esperam para passar para o outro lado, enquanto a moça não vem. Ela prende os cabelos sempre no alto, bem junto a sua cabeça. Quando a moça vem, volta ao seu posto e a gente ao nosso oposto. Ela sempre lê ao longo do caminho e o seu trono é sempre o mais alto. Hoje ela come quitutes que certamente não foram brindes. Nossa carruagem amarela, onde pouco é ouro, quase nunca se ganha de graça, a não ser que seja olá, bom dia, muito obrigado.

Aqui a gente geralmente não se obriga, se não piora.

domingo, 29 de janeiro de 2012

17/12/2011

Quando o primeiro grito leproso saiu de dentro do peito dele eu já sabia que era noite. Anoitecia dentro dele sempre lentamente e suas botas enlameadas entravam em casa e depositavam cuidadosamente o chapéu na antiga chapeleira de madeira. Geralmente espalhava seus pingos por aquele corpo semi absorto em penumbra. O tapete se resignava recebendo o úmido de fora e guardava a pegada indiferente até que alguém pudesse dar-lhe um nome. 

Pouco se dizia durante as noite chuvosas, os pingos eram grossos e barulhentos, o telhado contava pequenas histórias de ninar.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Roupas penduradas em estantes estranhas escorrem de duas em duas.
Às vezes penduramos direto do varal, às vezes passamos, e às vezes elas passam.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Reflexo

O que vejo na tela são minhas próprias mão se espalhando rápidas e flexíveis. Não vejo teus olhos e não deduzo nada, guardo a última recordação de um olhar se opondo a própria voz. Não guardo mais coisa alguma e deixo que se espalhem por aí essas coisas todas. A noite foi longa, mas não imaginei o que faziam por aí, essa noite pensei apenas em mim. Todas as vezes que acordei estava feliz, para variar. Todas as vezes em que acordei fiquei surpresa por ter dormido. Quando descobri que era dia, fiquei feliz, pela primeira vez em muito tempo. Pela primeira vez é dia e eu não tenho sono. Pela primeira vez escrevi minhas metas em uma folha de papel, e elas não são perdíveis. 

Hoje acordei depois de nem bem dormir. Hoje acordei várias vezes, aguardando o meio do dia. Hoje ainda não estou satisfeita, mas estou menos triste. Hoje, em boa parte, voltei a ser eu mesma. Em boa parte, hoje, pude entender o que me faltava, e pude descobrir que ainda consigo falar. Descobri que ainda posso fazer, e mais do que isso, descobri que não estava conquistando pelo simples fato de não fazer. Hoje acordei de um sono profundo que durou anos. Hoje acordei de uma inconsciência tão interminável que faz com que eu perca seu início.

Ontem os labirintos se comprimiam e hoje eles se alargam. Ontem perdi a razão para hoje reencontra-la. Afinal, como diria minha bisavó "tem que se perder para se achar". E eu tendo me perdido tão profundamente, ainda tateio o caminho de volta. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Esquece

Há números novos no calendário, e eu pensava que não tinha mais o que dizer. Passei dias escrevendo, mesmo quando não peguei caneta. Silêncio por longo tempo.


Penso no ano que passou, e nem tudo consigo lembrar, diria que foram várias temporadas em uma estação, e hoje acordo já de maneira diferente do que acordava antes, mas tem dias nos quais certos sentimentos se repetem. Às vezes nem sabemos se algo se repete ou se é apenas uma memória estranha que age sobre nós. Várias rotinas se imprimiram independentemente no meu sentir, e hoje elas já sabem sozinhas o caminho a percorrer. O velho livro interminável e sem sentido voltou.

Não pense, procure não pensar nas minhas incontáveis mudanças de habito, e me esqueça na primeira esquina que dobrar, e assim vamos cada um por seu caminho intocável. Cada vez que você deixa de existir eu ganho tempo.

Sento no banco ainda florido da praça em círculo, peço com toda a força ainda rezando baixinho. Esquece que combinamos, que marcamos a felicidade com um X entre um parágrafo e outro, e quando terminamos a leitura tínhamos um pergaminho todo rabiscado? Não faço mais questão de repetir, e você já não faz mais questão de olhar para mim. Como poderia eu então esquecer, logo eu que esqueço rapidamente, guardo os detalhes em arquivos bem separados, até que um deles fica fora de acesso. Esquecer é sempre mais difícil a noite, e agora vivo a noite vinte e quatro horas por dia.

Hoje vou passear junto com sua voz estranha. Ligue quando tudo acabar, e estarei pronta para um novo intervalo.