quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ontem a noite voltando para casa passei onde ficava um bar, um boteco velho e sujo. Pensei nos que frequentavam e perderam o amigo que foi embora, aquele que não só frequentava o mesmo lugar mas também dava sentido a ele. Então pensei em mim e nos outros. Às vezes perdemos alguma coisa, ela estava ali, ao alcance de todos, mas passava despercebida, como aquele bar que embora estivesse no centro, onde todos passam o tempo todo, nunca era notado. Era o mundo invisível de seus frequentadores, era só deles. Como ficam os que perderam? O que sentem quando veem sua história partir? Como nós preenchemos as lacunas, como trocamos com aparente facilidade uma coisa por outra. E quando andamos distraídos pela rua, vemos o vazio onde costumava ficar aquele bar. Então o silêncio da sua inexistência é mais eloquente do que sua presença luminosa por anos. A sua ausência berra o passado. O que se faz quando um melhor amigo vai para longe, quando ele se torna um recorte no peito, quando passa a ser um lugar vazio na mesa, uma garrafa a menos, uma válvula de escape entupida, uma lágrima que rola até pingar, a mão que não estende o lenço, uma gotinha de realidade que passa para o virtual.

Aquele mundo tão importante, tão especial, some de uma hora para a outra... puft! Foi-se, e ninguém fica sabendo o quanto importou, o mundo ignora aquele nosso mundo invisível, e talvez nem percebam que há um novo espaço vazio no seu caminho, talvez percebam aquelas tábuas vermelhas e se perguntem quando surgiram, ou fiquem contentes com o desaparecimento daquela construção horrorosa. Mas todos nós quando passamos por ali, ou eu passo por uma rua próxima e penso, "acho que ficava por aqui", olho aquelas tábuas e me pergunto como é que desapareceu. Lembro vagamente de um comentário triste ao qual não dei atenção.

Só nós sabemos, e todos nós quando passamos por ali, nos unimos num sentimento mudo, uma emoção que nos une e nos reúne por alguns instantes. Por um segundo estamos novamente juntos no invisível, e com um olhar somos cúmplices. Ou talvez seja só eu. Talvez seja eu o sentimental.

Talvez o mundo todo não se importe, talvez ele já tenha esquecido o nosso invisível, e como lembra-los se ele é assim também indizível? E se todos jogam a história no lixo, como uma sucata velha que ocupa um espaço precioso. Se for assim, estarei só, novamente, passando por uma rua próxima, silenciada pela noite, iluminada pela luz amarela dos postes. Verei as tábuas duas quadras para lá, uma pessoa que passa distraída, um carro perdido, um ónibus cansado, e já estou em outra rua, deixo uma lágrima silenciosa rolar e congelar. Me vejo diante daquela esquina, eu e as tábuas, velando as suas lembranças e as nossas esperanças. Somos crianças. Improviso meu palco, danço com algumas estrelas que ousaram brilhar. Orvalho nos cabelos, a lua no chão, o céu no meu véu. Essa é a nossa homenagem muda. Esse é meu adeus solitário. É o meu adeus para você. Ao meu invisível sempre volto, guardo ele nesse bloquinho, não para quem quiser fazer dele seu, mas para quem quiser construir o nosso.

Faço uma reverência, vejo a praça e parto. Parto.

2 comentários:

  1. confesso que não li esse até o fim, mas eu gostei tanto do começo que tinha que comentar...depois eu volto

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