sexta-feira, 28 de julho de 2023

Pendurados

 O mural estava cheio de papéis afixados. Eles farfalhavam com o vento a cada nova brisa. O dia estava assim, suave. O sol parecia iluminar na medida certa, o tempo estava mais seco, as plantas bem verdes e o riso das crianças entrava pelas janelas. Tudo estava em paz, com exceção dos papéis a se debaterem no mural. 

Decidiu se aproximar, pegou uma pequena folha amarela, arrancou e trouxe mais próxima dos olhos. As letras eram pequenas, muita informação para pouco espaço. O redator da mensagem sabia disso desde o início, pois se ocupou em aproveitar bem o espaço. Tinha pressa, mas tomou cuidado com o que dizia. Era importante que fosse compreendido. Ainda assim, deixou a informação e partiu. Pelo visto, já tinha algum tempo. 

Com quem falava? Talvez ninguém em especial, só precisava deixar a sua mensagem ali, onde as pessoas pudessem ver. Ninguém em específico, todo mundo se possível. Não assinou, não desejava ser lembrado, queria apenas que as suas palavras fossem. Um viajante de pouca bagagem física, mas muitas memórias. Deixou o gato sozinho em casa e precisava retornar logo. 

Os papéis continuaram a chamar por ela, queriam ser lidos, queriam ser levados embora e também queria seguir sendo vistos. Queriam estar ali, mas também com quantas outras pessoas fosse possível. Deixe-me aqui e me leve na sua memória. Guarde a minha mensagem, não a minha presença. No entanto, ela não podia resistir, não era possível lembrar tudo. Pegou algumas daquelas mensagens com gestos rápidos e guardou nos bolsos. Baixou a cabeça e saiu, sem se despedir de ninguém. 

Nos próximos dias, se dedicou a fazer reproduções. Repetiu cada vírgula, compreendeu cada mensagem. Ela também queria que mais pessoas soubessem daquela beleza, daquela grandeza, das inúmeras possibilidades. Tanto repetiu aquelas palavras, que foram se tornando suas também. Foi se fundindo ao papel, foi se misturando à tinta da caneta, foi virando conto, romance e biblioteca. Tanto se misturou, que se espalhou por uma biblioteca inteira. Agora, quem procura por ela, encontra milhares de palavras. Alguns a veem como drama, outros como comédia e há até quem a entenda como uma abraço amigo depois de um dia difícil. 

Ela não se importa com isso, está muito ocupada sendo. Quanto mais pessoas a conhecem, maior ela se torna. Quando ninguém regressa, ainda assim ela está ali. No entanto, por mais tempo que fique sem ser visitada, eventualmente alguém diz: lembra daquela... como se chamava? Aquela que era poesia e se foi com o vento.