quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nesse mundo é assim: a gente vem pelado e vai vestido, mas nem sempre.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Distorção

Distorcemos palavras e conceitos para que caibam todos no nosso bolso. Distorcemos dias, anos e estações para que caibam todas nas nossas divisórias. Torcemos nossas faces para que com o líquido que dela escorre possamos fazer uma bela sopa. Rompemos todos os dias com os destroços que sobraram de nós mesmos no dia anterior. Distorcemos nossa própria imagem para que ela possa servir no espelho dos outros. Roubamos nozes e amoras e muitas vezes, ainda assim, continuamos sem amor e sem voz. Somos todos nós juntos uma distorção do individual e a criação de um novo ser que destruiu cada um para criar o todo que é um pouquinho de cada, mas todo de ninguém.
 
Agimos por impulso ou premeditadamente e nos distorcemos para podermos ficar adequados e prosseguir. Até que em meio a nossas distorções possamos encontrar nossa verdadeira face, possamos encontrá-la em cada fragmento de nós mesmos. E no final perceberemos que ainda estamos inteiros em cada distorção, e que a cada distorção não deixamos de ser, mas apenas nos adaptamos.
 
Distorço-me, mas não me destruo, porque vou aprendendo a falar do meu modo, não importa o que querem que eu diga.

sábado, 29 de outubro de 2011

Relâmpagos e tinta fresca.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

do dia 8 para o 28

Um copo de coragem e duas colheres de motivação para pintar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Porque duvidar é muito pouco

Esquecer, porque lembrar é muito pouco.

Dormir, porque esperar é muito pouco.

Desaparecer, porque existir é muito pouco.

Partir, porque desistir é muito pouco.

Mudar de direção várias vezes, porque apenas um caminho é muito pouco. Desesperar-se no meio da estrada porque nunca soube para onde ir. Sentar sobre os joelhos com as mãos em concha sobre o colo como quem espera as migalhas caírem do céu. Despencar, porque viver pendurado é muito pouco.

Mergulho sempre mais, até que a luz fique pouca, e nem sempre sabemos voltar, e quando voltamos nem sempre lembramos onde estivemos. Deitar na cama macia, porque o calor é muito pouco. E acordar várias vezes ao dia como quem se recupera daquela profundeza. Criar uma nova rotina, planejar uma nova vida. Prosseguir, porque sempre é muito pouco.

Olhamos um texto pronto e descobrimos que estava inacabado, olhamos um texto inacabado e descobrimos que estava pronto. Faço uma pausa, porque continuar é muito pouco. Largo da barra da tua saia, porque aguentar é muito pouco. Vivemos de uma nova forma, porque manter é muito pouco.

Invento o tempo, invento nossas meias sujas sobre o tapete. Tampo o nariz e a boca enquanto olho pela janela. Imagino o nado sincronizado, porque tenho medo de sufocar. Suponho, crio várias hipóteses, porque preciso estar sempre prevenida. Mas então abro os braços e me jogo da janela. Mergulho, porque observar é muito pouco.  Ferir-se, porque planejar é muito pouco.

Tampa o sangue que verte do nariz, debulha o milho que distribui para as galinhas. Canta pequenos trechos de cantigas desordenadas que guardou na infância. Assoa o nariz na manga da camisa e inventa seu próprio ditado popular, porque repetir apenas é muito pouco. Criar regras próprias, porque respeitar apenas é muito pouco.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Boa sorte (para mim)

Repentinamente tenho medo do simples artefato que pode separar o mundo da água. Sorrio intuitivamente para pequenos detalhes e me aquiesço por eles. Sim, as horas passam muito de pressa e quando vemos já é outro ano. E às vezes o ano ainda nem mudou desse lado aqui e nós já mudamos. Não lembro mais o que eu pedi para esse ano, mas espero que tenha feito bem. As marcas são estranhas e flutuantes, não existem pequenas maquinazinha registrando os caminhos que percorremos mentalmente. Gostaria de fazer outra coisa, mas me sinto induzida a continuar. Você sabe muito mais do que eu, e ainda assim devo ensinar alguns caminhos. Será que aprendi mais com cada passo. Talvez tenha aprendido até mesmo com os passos apenas observados. Meu diário se tornou esporádico e já nem lembro mais de anotar as coisas que julgava necessárias. Temos fome um do outro todos os dias, e nos alimentamos das nossas próprias carnes.

Subimos montanhas até que estejamos bem alto, e aí então descemos novamente. Sua imagem está gravada na minha janela, fica sempre presa por detrás de cada novo ato. Sinto saudades de me perder por entre as linhas escritas por estranhos que vão logo se tornando amigos íntimos. Sinto saudades de assistir seis filmes em uma tarde e não sentir a menor culpa. Sinto saudades de simplesmente engordar e simplesmente emagrecer. Mas não sinto a menor falta de sentir falta. E de repente nem me importo de sentir falta de todas essas coisas,  e de repente elas deixam um vazio enorme. Porque repentinamente eu perdi o equilíbrio, meu centro magnético. Subitamente perdi aquele fio que me ligava diretamente não sei a que. E que sem perceber me fazia ficar fora por instantes, mas era uma viagem de dias.

Sinto falta de tantas coisas, de fazer e de sentir, e repentinamente sinto falta de nenhuma delas. Esqueço de esquecer e então já nem lembro mais. Mas lembro que deveria apagar e vou relembrando lenta e dolorosamente. Sou um mar em fluxo e refluxo, sou em todas as direções. Sou uma onda que vira espuma branca e se desfaz nas profundezas. Sou o ir e vir de um pêndulo solto no ar, e quando menos espero me choco contra a sua parede. E então... esqueço.

Guardo palavras, informações, detalhes o dia inteiro. Guardo referências e opiniões, quando chega a hora de dizer, quando me deparo com você, então eu esqueço. Peço ajuda, falo de uma aflição ou outra, tento rastrear teus passos, e desisto, e me proíbo. Estou proibida de ligar antes das onze, estou proibida de me irritar antes das três, não devo chorar antes das cinco, e nem pensar em acordar antes das oito. Roubo pequenas amoras laranja e encho sua boca. Seus olhos me fitam arregalados. Bebemos do líquido amargo enquanto colorimos as nuvens. Nem sempre foi assim, nem sempre fomos quem somos. 

Nem sempre acordei feliz na quinta, nem sempre segunda feira foi o pior dia, nem sempre final de tarde de domingo passou despercebido. Nem sempre, e agora sim, e que diferença faz? Qual é a diferença que faz, é o que eu gostaria de saber. E de todas as diferenças que faz, qual eu sinto mais? A qual me apego, de qual me desfaço, e quais eu torno amigas. Você é a diferença que faz porque eu deixo que faça. E você é para você e eu sou para mim, e nós somos para o mundo, e somos o mundo, estamos no mundo, e repentinamente saímos dele e voltamos. Nós flutuamos cada um a seu gosto, a seu modo. Lentamente ou a jato. Somos foguetes, relâmpagos e plumas. Somos pernas, braços e línguas. Propagamos. Pagamos, apagamos e ressurgimos.

São os planos, são tantos e como saberemos? Só sentando sob a sombra de uma árvore frondosa e esperando o tempo passar. Mas para que ele passe mais de pressa criemos um pouco de diversão nesse meio de caminho. Hoje não durmo, mas amanhã ainda acordo, volte logo e diga qual é a resposta. Ainda somos, ou uma volta nada mudou.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Submarino

As caretas moles e fedidas me olhando de dentro da água preenchem meus ouvidos com seu barulho em queda. Sempre preferi o silêncio para escrever, mas hoje subo as escadas de dois em dois degraus. Compramos um par de toalhas na promoção e você me disse que preferia as perfumadas. Por isso compramos amaciante, do mais caro. Às vezes jogamos pedras no rio e tentamos ver se elas quicam... mas não tenho a habilidade. Assoo o nariz na barra da sua camisa, nem sempre foi tão "auto". Às vezes erramos por querer, tem vezes que telefono no meio da noite, tem vezes que é você. Troco de canal, paro a música, escuto atentamente o avião que passa para certificar-me de que não está em queda.

Sempre vejo duas crianças que vão de mãos dadas para a escola, mas nem sempre vejo quando voltam. Semana passada jogávamos, agora fazemos planilhas. No sábado caminhamos no parque e você fala o nome dos pássaros, encontramos um ovo vazio e deixamos onde estava. Por um tempo passeamos escondidos, depois não passeamos mais, e agora tanto faz. Se não der passeio, filme e pipoca doce.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Profusão


Essa profusão foi me profundindo e eu acabei ficando muito profunda. Nas profundidades da profissão de ser profusa pensei nos aprofuzamentos dos profusos moradores de celas estreitas. Pensei na profusão das ideias e dos cadarços nas ruas. Levantei profusa, comi uma profusão de saladas e fui dormir na profusão dos sonhos. Olhei para o lado e vi a profusão das molas dos meus cadernos, e quando encostei no meu amigo pensei na profusão das bactérias e logo me atirei a profusão de carros parados no sinal, se aglutinando e se desaglutinando. Aprofundei-me nas profusões e quase afundei.

Gosto das profusões de Alices e jardins, pétalas e mais pétalas, gramas e mais gramas. Profusão de janelas e rodas, linhas e voltas. Tudo isso em infusão por 5 minutos. Escrevo isso no intervalo da profusão de meus triângulos e digo-lhes até breve.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Se todos fossemos azuis do que seria feito o céu?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Hoje não quero sair

As pessoas tem suas preferências, seus desejos, fazem suas escolhas. Nem sempre vemos tudo de forma clara. A vida foi atingindo patamares diferentes de realidade. E nós podemos viver tantas vidas quantas escolhermos. Mas eu sou um ser burro e inadequado, não sei conviver com essas fragmentações de espaços e sentidos. Para mim não importa de que forma entramos em contato, mas o que dizemos. Hoje eu ouvi e não respondi. Agora entendo o que tinha a dizer, e as palavras vêm tão velozes e desordenadas que saem feito água sem fazer sentido.

Houve um tempo em que eu esperava passar.

domingo, 9 de outubro de 2011

Domingo

Esta manhã acordei cedo e logo pensei em futuros diversos. Tentei falar com clareza por inúmeras vezes, mas sou uma viciada talvez. Antes de acordar eu tinha fome, agora tenho vontade. Arredar os móveis, passar aspirador de pó, olhar o horário e me perguntar se os vizinhos ficarão muito ou pouco incomodados. Reencontrar as doses homeopáticas perdidas.

sábado, 8 de outubro de 2011

E eles se vão

Todo ano recomeça e os  pedidos se repetem. Hoje pedi para deixar nossos passados. Todos nós erramos. Hoje não era um bom dia para brigar ou fazer bolo de chocolate e ainda assim fizemos. O que vale é a intenção? De qualquer forma não tive fome. Devia ter ido ver você e passar o dia olhando o sol. Roupas soltas, corpos estendidos pelo chão. Colhemos nossos frutos. As paixões são tão vagas e ainda assim seguimos atrás delas com intensa dedicação, tem horas que pensamos nem ser tão capacitados assim, mas uma hora ou outra alguém nos lembra de continuar tentando. Hoje não tive fome e não comprei um caderno novo. Agora o dia já muda para alguns e eu continuo sem fome e sem caderno.

As melhores soluções costumam estar sob nosso nariz. Hoje acordamos e o dia estava fresco, esquentou e refrescou. Quase nunca chove. Teve épocas que chovi muito, hoje geralmente tem alguém para segurar quando escorro. Somos bestas. Sempre somos melhores do que alguém, muitas vezes somos melhores do que todos, e geralmente não somos bons o suficiente. E ainda assim continuamos lutando por aquele troféu inexistente. Hoje tento voltar ao ponto zero. Peço por ajuda, meu desejo não é esquecer, mas compreender. Compreender os outros é tarefa vã, tento compreender-me e aceitar minha própria ira. E desta forma colocá-la no lugar adequado para que seja eu quem comanda. Para que eu não sucumba aos fantasmas e possa ir adiante sem guardar listas negras.

Hoje eu acordei e ainda era ontem. Não tive fome e desejei perdoar. Rezei para que assim fosse. Gostaria de ser mais forte, mas aceitar é o meu fraco. Não comprei um caderno novo, mas posso terminar de construir o meu. Hoje eu crio mais um começo. Agora eu me sinto grata.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sobre um fim

Meu caderninho acabou, preenchi até seu último espaço vazio e não tenho dinheiro para comprar um novo. Nesse caso acho que devo usar as páginas virtuais mesmo. Os caderninhos, quantos eles são ao todo? Perdi a conta, talvez sejam quatro. Por vezes corro sobre suas folhas com maior velocidade, às vezes mais lentamente. A verdade é que os ocupo sem uma regra preestabelecida. Por quanto tempo me perco entre suas folhas contando as novidades do tempo, e quem mais me aguentaria por tanto tempo? Sim me suporto por anos, me aceito consecutivamente e vou aprendendo a deixar as discussões para quando a festa acabar. Mas repentinamente me debato nessa muralha sem escadas. Lembro-me do velho que desejava fugir da própria casa. Quanta loucura em cada degrau. Jogue suas tranças. Enquanto me debato nesse espaço turbulento a carcaça para a qual olham fica estática e olha sem vida para o nada. É normal que perguntem o que houve, os veteranos já evitam contato. 

Tudo é na verdade muito simples, tão simples que demoramos anos tentando entender, e ainda assim ficamos um pouco em dúvida. O que dizem parece tão real, mas cada velha imagem guardada faz retomar uma dor. Os curativos são bonitinhos e decorados, mas as feridas que eles cobrem em sua maioria ainda sangram.

Meu caderninho acabou, liguei para pedir um novo, mas o telefone não atende, eu mesma não tenho dinheiro. Pensei em um caderno que eu mesma fiz, mas ele é muito grande, não seria um caderninho. De qualquer forma esses cadernos devem ser pequenos e rápidos de usar, não devem durar mais do que oito meses. Eles guardam muitas coisas e se tornam pesados, por isso devem durar pouco. Sinto falta dos dias em que escrevíamos compulsivamente sentadas à mesa de vidro. Isso geralmente quando eu podia ficar completamente só, e sabia que ninguém aguardava por mim, na verdade acreditava que não se importavam.

As pessoas falam coisas estranhas, parecem nem ser as mesmas que um dia vimos. O mundo alheio é sempre muito estranho se não vivemos de forma semelhante. Às vezes há coisas que podemos entender, outras vezes as coisas são muito difíceis de aceitar. Eu hoje tento compreender certos passos meus ou seus, tento deduzir, e de repente tenho a brilhante ideia de simplesmente perguntar. Talvez fosse algo como ler o livro da própria vida escrito por outra pessoa. Era isso que eu pretendia, você pode falar como  vê a nossa vida? Geralmente nos surpreendemos. As surpresas costumam ser boas, ou esclarecedoras, isso quando não são as duas coisas juntas.

Meu caderninho acabou e agora preciso de um novo. As lojas já fecharam, eu não gostaria de ganhar como um presente, a menos que você me permita escolher. Preciso de folhas novas, preciso de um caderno novo, com espaço para ser ocupado. Esses cadernos sempre pesam depois de um tempo, por isso não podem se prolongar muito. O primeiro deles foi o mais diferente, acho que ainda não havíamos definido nossos procedimentos, e até hoje tentamos reorganizar. A verdade é que não adianta. Eles tomam a forma que bem entendem e eu que corra atrás. Nossa ordem foi definida ao acaso e nos reorganizamos a cada temporada. Os projetos se espalham por essas peças separadas, e quem sabe uma hora ou outra tomemos coragem para realizar alguns deles.

Você me fala como será amanhã, e eu ainda nem entendo o que temos hoje. Os dias se espalham por camadas disformes, subimos e descemos em busca dessa liga. Esqueço a janta, preciso de um caderninho novo.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Desabafo de uma carta queimada

Desapareço novamente, e dessa vez nem houve uma justificativa clara, nem um motivo prévio. As coisas vão acontecendo todas muito mansas, fico calma por um tempo prolongado, e hoje o dia se espalhou de diferentes formas. Já nem sei mais que caminhos nos levam. As certezas são grandes bolhas instáveis prestes a explodir. Como posso acreditar na exclusividade do corriqueiro. As visitas são mais frequentes agora, e eu andei distante por tanto tempo. Diria que ainda nos visitamos para tomar chá, mas isso não acontece mais. Você trancou a porta e me pediu para que não voltasse, eu como pessoa obediente que sou aceitei, mas como insistente que sou fiquei observando de longe. Me apaga, e guarda com carinho todos os outros. Esquece-me todos os dias mais uma vez, e como poderei saber qual é a verdade, se minha visão é curta?

Nos trancamos em cofres escuros e apertados enquanto os inimigos voam soltos dando risadas idiotas. Os outros riem do seu riso infantil. Tem coisas que não consigo explicar, talvez nem devesse saber. Acordo geralmente ainda um pouco cansada, frequentemente ainda muito cansada. Tem dias que nem acordo. Há noites que durmo de jaqueta. Houve um tempo em que tapava as orelhas, hoje procuro abrigo em qualquer canto. Por muito tempo pensei, e tive que me contentar com isso, por certo tempo tive que calar a boca e segurar as mão atadas até que algo acontecesse. Por certo tempo tive que defender o inimigo e na primeira oportunidade ele me agrediu em voz alta e risada falsa. Seu medo se revela em pequenos gritinhos de ódio. Eu já nem penso mais em certas coisas com a força com a qual pensava antes. Parece que o hábito é terrível, que ele me prende a uma rotina de relembrar, de refazer, de perseguir os vestígios tentando construir os traços desconhecidos e delinear os futuros, como quem desenha essa história sem narrador.

Quem narra? Cada um narra a seu modo, e minha maior tristeza é não poder prever.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Veneno para orquídeas

Sinto-me escorregar por um penhasco bem liso. Não encontro aresta na qual possa me agarrar. Sinto a fome subir até minha boca e a sede se espalhar pelos dedos. Desprezo os ditos inimigos e odeio meu próprio amante. 

Seria estranho eu falar de eternidade para coisas que se desmancham com um sopro. Eu sinto de repente que sempre qualquer indelicadeza foi mais importante do que o meu ser inteiro. O inimigo reside no meu ventre e alimento com cada gota amarga depois das duas. Amamento esse gérmen podre que me intoxica aos poucos. Faço uma fogueira onde queimo todas as nossas vaidades. Sou um ranho verde que escorre pela parede lilás.

Quantas frases não ditas se acumularam na garganta que incha e faz a dor apertada subir pelos ouvidos e se espalhar por toda a cabeça. Só queria que uma vez na vida eu não fosse julgada assassina. Mas me condeno a guilhotina. E decapitada deixo minha cabeça rolar e saltitante se perder para sempre. Assim garanto distância segura entre ela e o resto.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Dicas para fotografar a lua

Espere ela ficar bem cheia, não deixe que se canse muito. Leia um poema, cante uma canção, que pode até ser de amor se assim preferir. Estenda uma toalha branca com bordados em ondas. Deite sobre a grama, feche os olhos, respire fundo e perca a conta. Estenda os braços e dance no ritmo que desejar, preferencialmente faça isso sem pressa. Sorria para si mesmo, e faça o autorretrato mais belo de todos para que você mesmo possa olhar. Não tenha pressa de apresentar seus feitos ao mundo. Não deseje que outro veja e reconheça, faça porque é bom. Esqueça os próximos segundos e os segundos anteriores. Não imagine, sinta.

Aponte suas lentes para a face mais bela, e use seu tempo de exposição mais longo para que possa registrar tudo com calma. Por fim pegue o resultado e deposite na água corrente mais próxima, e assista o seu movimento até que suma por completo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mais uma gota

Minha última dose de rotina escorreu pelo ralo hoje junto com a água do banho da noite.

O que me segura são as pernas do destino. As mensagens silenciosas de homens sem corpo, não sei se peço para que digam em voz alta, ou se peço para que desapareçam de vez. Lembro do homem que me carregava no colo, quem ele é exatamente. Ainda está por aqui? A luz dura o tempo necessário para que possamos registrar a imagem. Os dias e as noites se dividem para preencher nossas horas. Somos fracos demais para suportar a rotina, somos válvulas pulsantes e altamente explosivas. Somos dois ou três intervalos e nada mais.

Esqueça dos últimos segundos, não revise os fatos. Essa semana é de agonia, abrace e deixe que berre.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um dia de quase sol

Uma resposta. E eu te digo, pense nisso. Esqueci de falar por horas, fiquei muda. Engoli milhares de farelos e quando por fim, vi que tinha um bolo inteiro só para mim. Glacê, camadas de chocolate, chiffon. Esfrego raspas de algodão na sua face ainda embriagada de fantasias adolescentes. Rasgo o vestido de debutante e guardo cuidadosamente em um saco preto. Esfrego as paredes com uma pequena espátula. Vou esquecendo nossos dias ruins lentamente. Vou esquecendo nossos desencontros diurnos e relembrando nossas serestas noturnas.

As palavras escorrem por finos fios dourados e vão se depositando livremente aqui e ali. Quem é aquela menina de saia que se esconde atrás do coreto? Espia entre as madeiras cujo branco descasca. De quem são aquelas tranças douradas que terminam em cachos? E as chiquinhas deviam ser presas cuidadosamente para evitar um desastre maior mais tarde. Seus grandes olhos espiam curiosos. Quem será a menina com mãos de fada e luvas de macramé.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Para quando a chuva chegar


A chuva escorre pela vidraça, escuto em silêncio suas gotas esparsas atingirem os telhados. Cubro os tornozelos com a coberta de lã, espero pela mudança de temperatura que se anuncia lentamente. O sol raiou por tempo suficiente para secar minhas roupas. Inclinei-me ao tanque por tempo bastante e quando o telefone tocou descobri que já era hora de almoçar. Um copo quebrado, alguns minutos de atraso. A chuva escorre e nós já esperávamos por ela.

Durante o dia deixei que ela tomasse sol, depositei-a cuidadosamente no peitoril da janela, ela sacolejou alegremente com o vento morno que vinha lá de fora. As cortinas brancas se agitaram e derrubaram alguns objetos sem importância. Seu banho de sol foi proveitoso, assim espero. Ela absorveu a luz necessária para enfrentar os próximos dias nublados, espero que seja o suficiente para suportar alguns dias dentro da gaveta. Pego então uma caixinha de madeira acolchoada, tecido colorido, bordado. 

Os dedos se espalham alegremente por aqui e por ali, compõem essas histórias contadas com borrões e intervalos. Criamos uma cantiga que diz verdades doces em tardes de verão. Hoje durante o dia sentimos o ar morno, acordamos com a carícia do sol do outro lado da persiana, e pensamos no tempo para o nosso feriado. Sempre que saímos de feiras compramos um pacote de jujubas, enchemos garrafas de água, e carregamos algumas maçãs e guardanapos. Viajamos olhando a paisagem, fechando os olhos e sentindo o balanço. Gostamos principalmente de sentir a brisa.

Roupas na mala florida, um lenço no pescoço, chapéu na cabeça. Vestimos botas de cano alto para proteger os tornozelos, ordem do professor. Quando chove uso capa de chuva, visto uma touca, e abro meu guarda-chuva da estação passada. Lembro do meu último guarda-chuva, tantas chuvas guardou. Presente de aniversário das minhas avó e bisavó. Era uma sombrinha dessas pequenas que podemos carregar na bolsa, e eu carreguei. Pegamos chuvas das mais variadas, até que ela adquiriu uma goteira e em uma ventania quebrou uma das astes. Com o passar do tempo tive de substituí-la, pois sombrinha de montar e com goteira dá trabalho. 

Gosto de bolinho de chuva, principalmente na casa dos amigos. Gosto de bolinho de chuva com chá de hortelã, gosto de bolinho de chuva com açúcar e canela. Gosto de bolinho de chuva com tinta e pincel, com papel e lápis, com filme e mate doce. Gosto de fazer maria-mole e ver os outros comendo, mas não gosto do barulho que ela faz para ficar pronta. Gosto de ver o coco ralado caindo feito chuva, mas chuva caindo feito coco ralado é neve. Visto botas de cano alto e capa de chuva. Visto touca para não molhar os cabelos no banho. Uso toalha para secar o rosto, e uso varal para secar a toalha.

A chuva escorre pela vidraça e eu penso que não preciso estar lá fora, que aqui dentro é quentinho e seco, que aqui dentro é quentinho e iluminado. Eu escuto a chuva, e sei que a noite se espalha lá fora. Eu escuto a chuva e escuto o barulho dela no asfalto. Eu escuto a chuva e lembro do telhado de zinco, escuto a chuva e lembro do temporal. Escuto as gotas esparsas caindo aqui e ali, escuto as gostas gordas fazerem taque quando batem. Eu sei do leite que fica quentinho quentinho, e com uma colher de mel, não preciso de remédios para dormir.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Enquanto vigio o teto

Daí sinto aquele prazer crescente de quem logo vai explodir em uma nova produção. Basta por hora tirarmos um pouquinho os pés do chão e olhando para o teto pensar nos segundos que ainda não passamos, ou dos quais mal podemos recordar. Mãos sobre o abdômem, uma respiração lenta e conto os minutos para a hora de sair. Penso se deveria comer algo, beber um pouco de água quem sabe. Juntamos as letras e formamos sequências sem sentido. Coleciono várias horas perdidas, gastas de forma desordenada e recolhidas em potinhos sem volta. Esqueço qual a sequência dos dias, esqueço qual o nome das portas. Entro sem que elas tenham sido trancadas e espio sempre que sou convidada. Construímos mundos inteiros em segundos velozes, um ano em dois minutos, uma vida em uma noite. Chorávamos abraçados em um tempo que não volta mais, o sofá continua com o mesmo buraco. Lembro que segurava sua mão com a mesma força com a qual pedia para que aqueles minutos se estendessem e para que aqueles meses voassem.

A vida escorre por entre os dedos, e quando acordamos já estamos enrugados dentro da banheira. Construímos cuidadosamente nosso barco de papel, esquecemos de desligar o chuveiro e a banheira transbordou. Agora escorremos a toda velocidade pela correnteza. Em breves instantes consigo tirar a cabeça da água e aspirar rapidamente. Volto ao mundo turbulento de barulhos sem sentido, debatendo-me rolo por uma superfície disforme. 

Braços ainda sobre o corpo, estico as pernas lentamente, vejo as estrelas emitirem a luz que guardaram ao longo do dia. A luz se apaga lentamente, e começam os sons da noite calma. Os raros automóveis passam cada um na velocidade que escolhe. Escuto a conversa dos dois rapazes que voltam para casa, as risadas da moça que ouve as novidades. Logo cedo a vizinha ouve suas músicas preferidas antes de vestir o salto, dar algumas voltas procurando as chaves do carro, conferindo os brincos, verificando o batom e trocando mais uma vez o casaco, para ir trabalhar.

Eu fecho os olhos e deixo que ele me observe de volta. Suspiro e deixo que suas gotinhas me olhem com ternura. Observamo-nos por horas, nos prolongamos nesse dialogo mudo. Sempre ele esteve a me cobrir, sempre ele a me vigiar. Durmo por horas, e quando acordo descubro que passaram-se minutos.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Uma gotinha de solidão

Às vezes devemos ficar sozinhos, em alguns momentos, preciso me sentir completamente só. Às vezes preciso esquecer que alguém me aguarda, e que em alguns instantes estarei em outra parte. Por alguns instantes preciso esquecer quem sou. E às vezes custo a lembrar. Volto à antiga questão: quem sou eu? Essa massa que se move sem saber direito para onde, e recebe vibrações indefinidas de fontes longínquas ou extremamente próximas. Tem dias em que sento na pedra gasta no alto do morro e respiro as perguntas trazidas pelo vento. Tem dias em que me embriago de luz, e tem horas que minhas pupilas dilatam ao máximo, e ainda assim não consigo ver o que há a um passo de mim. Tem horas que sinto tanto frio, nem os cobertores mais pesados que encontro em casa conseguem me satisfazer. Tem dias em que as rachaduras em minhas mãos se alastram com incrível velocidade, só as descubro quando passo o creme e sinto arder, vejo aquele vermelho suave se espalhar pelas costas delas formando uma nuvem de pele mal tratada. Elas eram invisíveis e repentinamente aparecem, como se estivessem só esperando o aviso. 

Tem momentos em que sinto doer, mas não há creme que denuncie o caminho das rachaduras. Eu sinto as coisas que se aproximam, mas não posso enxergar. Nasci cega, e com o passar dos anos fui tentando aprender a ver. Nasci e a única coisa que eu conseguia fazer era berrar, mas chorava pouco. Com o passar do tempo fui desenvolvendo a técnica, fui aprendendo a chorar com mais força. E aprendi também a acordar com dor de cabeça, e os olhos inchados. Com o passar dos anos fui tentando aprender a ver, mas é difícil, às vezes, depois de tanto esforço a visão ainda fica turva. Às vezes eu queria ver com nitidez, às vezes gostaria de voltar a ser cega.

Há dias em que acordo com saudades, há momentos em que me afogo em saudades. Mas tem segundos em que me sinto totalmente livre. Nesses segundos abro minhas asas e vôo rapidamente pelo mundo todo, a velocidade é tanta que quando volto não consigo lembrar do que vi. Às vezes posso lembrar de alguns berros, mas não eram meus, e também não passaram a ser. Eu lembro também de alguns pedidos silenciosos, de algumas rezas sob o cobertor em noites frias. Lembro de algumas noites em claro com medo de algo invisível, de coisas indizíveis. Lembro de algumas dores, mas de algumas não consigo lembrar como sentia.

Tem dias que me lembro de como era sentir o vazio por todos os lados, como era ser inundada pelo nada, e de como isso podia ser bom, mas também lembro de como podia ser cansativo. E exatamente agora me canso de tanto lembrar, algumas vezes até desejei não ter memória, me deletar e começar de novo. Algumas vezes quis apagar certos rostos para poder olhar para eles sem sentimento algum, mas lembro que alguns deles já vêm com o aviso grudado na testa. Já teve dias em que eu quis esquecer, já teve dias em que eu quis partir, já quis ficar totalmente isolada do mundo, e já quis sentir cada partezinha dele. Já desejei ser adulto, já quis ser criança. Espiei a Terra do Nunca e concluí que é melhor continuar a crescer, mesmo com todas as suas implicações. Já voei sem precisar de pó mágico, mas apenas uma boa noite de sono. Já assisti filmes precisando apenas fechar os olhos.

Hoje tento acordar, pegar o remo e conduzir essa canoa por um caminho único. Mas os braços da noite ainda me prendem, e enquanto não acordar não poderei dizer o que é ilusão e o que é real. E sem saber separá-los não poderei optar, e misturá-los a meu gosto. Porque os sonhos alimentam a vida, mas o que é dos sonhos sem vida?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Chega de esperar que passem as horas, devo deitar e dormir. Essas luzes todas nos fazem esquecer do que realmente nos faz amanhecer. É hora de desgrudar de todas essas coisas que correm independente de nós. É tempo de agarrar na pipa que nos guia e voar por essas terras coloridas, devemos vestir nossas galochas da estação passada e manter os pés secos enquanto andamos nessa garoa fina e pulamos nas poças acumuladas durante a noite. Quando acordamos só vemos o resultado do que foi se acumulando enquanto repousávamos sem preocupação alguma. Agora fazemos a festa enquanto assistimos as pombinhas beberem do chão. Sim, é tudo muito estranho, é também tudo muito colorido. O sol ilumina de formas diferentes ao longo do dia, mas já era noite e ele raiava nos seus olhos. Deitamos e esperamos a hora passar, esperamos até demais e agora já é outro dia, e eu ainda penso que falei que iria dormir cedo. Eu amo todas as suas cores, mesmo quando fica nublado ainda sou sol.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sininhos espaciais

Elas dançam no escuro, leves se espalham pela cortina que nos fala a noite. Sussurram pequenos contos enfadonhos que descobriram com velhos marinheiros. São elas marinheiras, nadam lá para que nos guiemos cá. Sempre quis pegar carona no rabo de uma delas. Sempre quis segurar firma e voar em alta velocidade. Se pego carona com minha guia... creio que posso fechar os olhos por instantes.

Elas são prata? São multi cores, são muitas. Elas se espalham delicadamente, demoram-se no processo de dilatar-se, de expandir-se, de dominar territórios, de cair e queimar cabelinhos verdes. Fagulhas saltam dos meus olhos e atingem aquele objeto disforme. Tento adivinhar o intervalo entre um stop e outro. Tento recriar as medidas de tempo, tento dilatar o segundo entre o teu sopro e o meu bis.

Quantas escadas, quantas escadas subimos, contamos o número de degraus, desdobramos o bilhete que passou cinco anos do bolso traseiro. Capricha! Dizia a ficha do homem de capuz listrado. Roupas rasgadas, e... Foram elas! foram elas é o que ele dizia, quanto desespero, quanta alegria, fagulhas no olhar, fagulhas nas pontas dos dedos, subiam, subiam, subiam... e juntavam-se a elas naquela lonjura tão distantes quanto, quanto, tanto quanto tantos milímetros de distâncias espaciais cabem nela. Tanto quanto tantas delas cabem nessa distância.

Memória, são esses os fios dourados da memória, são elas os pontos multicoloridos da memória do espaço. São elas recordações de planetas inteiros. São elas milhares de vidas e inexistências. São elas compostas de todos os intervalos e continuações, são elas cheias de não existir mais, e de cativar, e de indagar. São elas cheias de vazio da imensidão. São elas guias, são elas cadentes, são elas constelações inteiras. É uma delas que me pega pela mão e me leva ao cinema, é uma delas que deita na calçada. É para a primeira delas que peço todo anoitecer. É sempre com uma delas que converso no intervalo do verão.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Nem sempre preciso falar

Por vezes sento no escuro e escuto aqueles passos do outro lado da rua. Às vezes acordo antes da hora e aconchego a cabeça no travesseiro para aproveitar os últimos segundos. Tem dias em que me dilato, tem dias que sou contração. Roubo tantos fiozinhos no espaço que uma hora fica difícil de conectar todos eles. Na maior parte das vezes sou nublada, e o sol sempre surge por entre essas nuvens que se afastam, mas não se desconectam. Quase todos os dias somos rios. Escorremos ao longo das horas e uma hora ou outra chegamos.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Confissões Noturnas

Vomitei minha alma e ela toda espalhada por aí foi perdendo o sentido, e eu me senti só por tanto tempo que às vezes ainda posso sentir a agonia. Como tudo passa a fazer parte do mesmo jogo repentinamente e perdemos nossas certezas pelo caminho e às vezes as reencontramos por aí.

Eu hoje acordo sempre lentamente e já não sei mais das coisas óbvias que guardava em caixinhas separadas. Será que a história sempre se repete de uma forma ou de outra? Qual é a diferença entre essência e hábito? Como me diferencio, como me compreendo em partes? Como trilho meu caminho solitário se estou sempre acompanhada? Como respondo tantas dúvidas separadamente se não me divido? Como me divido? Como, como, como. De que forma posso me descrever se perdi o rumo. Essa neblina fria cai sobre nós e turva nossos passos. Quem somos afinal? Como pode me encontrar se eu nem mesmo disse que desejava. Talvez esperasse mesmo, talvez já houvesse planejado tudo com precisão. Quem sabe dos caminhos que marcamos se nos planos eles são tão mais simples. E se quando planejei previ as dificuldades mas continuo sem saber como resolvê-las? Imaginar é muito mais simples, pulamos a parte difícil e vamos logo para os finalmentes, e tudo funciona ao final. Mas eu não lembro o que planejei, que fim levávamos.

Já encontrei "o" homem certo várias vezes, e adivinhe só, foi chato, foi muito chato. E saiba, a vida não dura mais do que dois segundos. O que você acha das minhas palavras. Não lembro do dia em que comecei a morrer, mas ser sempre consciente dói demais. Amanhã lembre de mim, carregue nosso acordo o mais vivo que puder. Lembre que nem sempre foi assim, essa é nossa última chance, ideia sua. Cobrimos nossas faces com algodão doce. Não sou um gênio e nem sempre entendo o que os intervalos dizem.

Entrego-me a este balanço suave, o mar já não é mais o mesmo, nossos sonhos se transformam conforme passa o dia. Nossa luta se recria e há muito que perdi a noção do tempo, antes contava a semana nos dedos. Vamos dormir antes que o dia amanheça.

Que confusão Dona Maria João

As camadas de terra são depositadas sobre o corpo frágil. A idade não obriga as pessoas a envelhecerem. Permaneceu jovem até o fim, sempre com um pique de dar inveja àqueles que com ela aprendiam. Admirada e por alguns protegida como quem defende uma mãe. Seu canto ainda penetra em nossas almas e entristece mesmo aqueles que há muito estavam distantes. E quem sou eu para dizer da figura sorridente que me encara com sua vida na mão? Sou pássaro novo tentando aprender.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Nem toda ovelha é negra

Toda ovelha é ovelha não importa sua cor. E toda cor é cor de cor ou não. Guardo os tubinhos de tinta para não precisar lembrar o nome delas. Subo montanhas carregando sua lã em um saco de feltro, quando chego ao topo espalho ao vento seus fiapos multicoloridos. Deito e volto rolando, enquanto giro planejo o jantar. Farei sopa para que você se esquente quando voltar do trabalho, os legumes se agitam na panela fumegante e a cozinha se enche dessa fumaça densa, esparsa. Os lençóis se agitam contentes no varal, e as nuvens de chuva chegam de mansinho para não me despertar. Na feira compro utensílios tão diversos sem saber ao certo para o que servirão. Carrego minha cesta sem pedir ajuda, vou cantando ao vento. Assobio aquela melodia que fez para mim. Antes que escureça por completo juntamos nossos trapos, eu carrego os ases você as espadas. Um coringa surge no meio do caminho e estamos salvos até a próxima rodada. Rodamos entre estes mundos de cores vibrantes, nos deparamos com paredes estranhas, subimos morros verdejantes, fulminantes, esquecidos, cinzentos e ametistas. Seguramos uma corda solta e ancoramos no meio do espaço.

Hoje acordei ainda pensando ser um sonho, mas quando vi estávamos atrasados para o trabalho.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

E assim vale a pena

Havia esquecido como se faz um poema, como se constrói um verso. Não lembrava com quantos riscos se faz uma história, com quantos rabiscos se recria. Vou desenhando essa história sem saber do resultado, mas sei que sem desenhá-la não saberei quem é. Borracha não tenho há tempos, não reescrevo, mas troco algumas linhas e na ebulição destes traços me permito perder por completo o controle. Ao fim surpreendo-me com o resultado desse descontrole atordoantemente alegre. E sem essa confusão que nos toma e eleva, posso dizer que não tem a menor graça.

sábado, 23 de julho de 2011

E tudo muda

Já que o ar não para de girar, o barco vai sempre adiante, e quando paramos é a água que passa sem sossego. Suba ao degrau mais alto e quando estiver lá berre o que vê, assim poderá animar os outros a empreenderem a subida.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Olá quem vem de lá

Nos últimos dias, ou nesse último mês passei pouquíssimo tempo sozinha, e estou muito feliz com as companhias que tenho, mas agora, exatamente agora, percebi como faz falta alguns minutos totalmente só. Não aquilo que me faz sentir inteiramente só no mundo, mas aquele intervalo de tempo em que fico só comigo ou "comigos" mesmas, e posso conversar com as várias que sou, sem grandes interrupções, e com a tranquila ideia de que "alguéns" esperam por nós. Sem urgência, sem pavor, sem traições. Posso sentar por um instante e lembrar o que queria dizer, descubro que às vezes preciso estar totalmente só. Que por algum tempo preciso estar com toda a atenção voltada para dentro. Mas mesmo assim, nem por um segundo esqueço de vocês. Por mais que eu esqueça, por tudo que eu esqueça, não esqueço de ti.

Lembro que os estágios temporários são importantes para o resultado final. Essa escrita é quase inconsciente, embora frequentemente busque justificativas na racionalidade.

Obrigada por virem, obrigada por lerem. Entrem sem fazer muito barulho para não atrapalhar a concentração, comentem mas não crucifiquem aquilo que ignoram. Comentem no final, mas lembrem que quem fala aqui não é poeta ou literato, mas uma fazedora de imagens que escreve porque sente, e sente tanto que se não dividir sufoca.

Divido mais um pouquinho do todo, e mais um todo do pouquinho que tento captar.

Se chover pedra novamente, esse nosso abrigo estará ainda mais sólido para nos receber outra vez, se houver sol deixe que entre.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Para tirar o mofo

Antes que esqueça de voltar a praticar, antes que eu esqueça como faz para patinar. O gelo cai sobre nossas cabeças, mas o sol raiou. Estamos descongelando lentamente, e a cada dia pisamos mais firme. Enfim pudemos deixar aquela borboleta sair voando do casulo que há muito insistia em permanecer fechado. Hoje o dia raiou para secar a chuva que se prolongou. Hoje saímos às ruas e tiramos o mofo que liberava o cheiro estranho. A mulher andou pelo corredor procurando de onde vinha o cheiro ruim, cheirou nossa porta, apoiou suas mãos sobre ela e aproximou o rosto enquanto fungava. Permanecemos em silêncio e ao amanhecer não sabíamos quem era ela. As marteladas do vizinho do andar de cima, mas moramos na cobertura. Dormimos de qualquer forma, porque as cortinas não deixaram que descobríssemos que horas são.

O segredo é acordar sempre que temos vontade e dormir sempre que sentimos sono. Mas não pular a janela sem antes verificar se alguém estende a mão atrás da porta. Noite de chuva, dia de sol. E nem sempre foi assim.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Peripécias de uma lagartixa escorregadia

Desliza por entre os dedos do tempo, antes que seja hora de parar já está entre cordas e rebentos. Constante deixar de ser sonha acordada e dorme no vazio. Escreve suas linhas sempre tortas e esquece a próxima palavra sempre antes de terminar. Rodopia em dias de chuva e troca suas galochas por sapatos quentes. Esqueceu já do trajeto que leva sempre para qualquer lugar e encontra seu próprio rumo entre linhas mal compostas. Sujou sua veste com a sobremesa sensabor. Sujou-se toda e com o passar do tempo viu que gostava dos vestígios de geléia que marcavam seu ritmo em intervalos irregulares. Ganhou um gato, guardou em uma gaiola e para ele uma nova cesta de vime. Com o passar dos anos perdeu o guizo, mas não o riso. Sempre contou vantagem, antes dos trinta já era famosa. O que antes era favor passou a ser moeda de troca. Por uns trocados lê sua sorte, por pura bondade conta, escuta, pesponto.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Reiventar as histórias da Carochinha

Sento aqui por fim depois de muito tempo em silêncio mas não calada.

Há coisas que ficam no vai e vem de uma correnteza que nem sempre vemos e frequentemente esquecemos. Existe coisas que ressurgem na calada da noite e sobrevivem no silêncio entre uma batida e outra.

Mas nós esquecemos, repentinamente não lembramos mais o que bloqueava este avançar tranquilo. E como o medo nos ataca sem prévio aviso e nós ficamos nos estapiando nessa batalha muda, você nem desconfia.

Roubamos um fio de luz e penduramos em cima da cama. Quando acordamos ficamos imaginando que é um caminho de estrelas. Nossos livros na estante, nossos filmes juntando poeira. Festa difusa que se esparrama e recolhemos.

Corre corre, para e sobe, some e ressurge, repete mas nunca é igual. Inventamos uma nova história, um personagem a menos, vários novos.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Caboclos Voadores

Pipanoar por aí sem temer a pista de pouso, ganhar o ar sem temer as grandes ondas que estão por vir. Acreditar sem medo de dizer que foi ilusão. Encontrar os Índios protetores em sonhos de batalhas. Subir escadas pronta para o ataque e fechar os olhos enquanto o outro nos defende. Somos tão estranhas a nós mesmas, somos tão amigas e nos driblamos para ver quem domina. E cada domínio dura um certo tempo, até que seja hora de outra. Então nossas batalhas são frequentemente internas, e não menos inteiras. Somos tão fortes que a queda de braço leva dias, ou meses. Essa fraqueza que se espalha pelo corpo é decorrente da alma arrepiada por tantas caras na lama. Sim, os dias nascem e dormem consecutivamente, e nós tendemos a segui-los, renascendo e ressurgindo, cada dia com seu ideal. De repente cansamos de esperar e agimos de uma forma ou outra, logo após cansamos de agir sem obter respostas e paramos novamente. Rubras faces deitam com o frio de maio, esquentamos de dentro para fora. Até que de tão cheios venha a explosão e espalhados em mil pedaços possamos nos sentir completamente renovados e prontos para a próxima jornada.

domingo, 22 de maio de 2011

As patologias se acumulam e se complementam. Se tivéssemos uma cura para o nosso estado de espírito cobraríamos caro por ela. Nos repartimos em esferas diferentes para conquistar um sol que nem sempre brilha. Nos ferimos com navalhas enferrujadas e as infecções vão se espalhando por corpos cada vez mais deformados. Multiplicam-se ulceras por essas peles tão brancas por falta de luz. Desbotamos até ficarmos transparentes. Definhamos até virar pó. Nos cheiramos até estarmos tontos demais pela nossa própria loucura, nos embriagamos de lágrimas agridoce. E quando nos conectamos novamente não conseguimos nos despedir sem um tom de doçura. Esquece sempre o que diz, confunde-se em seus atos e ditos, mistura suas próprias ideias, e borra seus ideais com códigos pré-estabelecidos.

Nos misturamos em seiva bruta, nos alinhamos em códigos celestes, nos perdemos em estrofes vãs, nos iludimos com estranhos repentinos. Esculpimos nossas faces em pedras duras que depois lançamos de ribanceiras até que se choquem com um caminhão em alta velocidade e deixem de existir num breve suspiro. Sim, suspirava mas não era por dor, inspirava profundamente tentando tragar a vida que nos envolvia, mas fomos tolos. Ainda somos, e continuamos sendo por tanto tempo. Esquecemos de apagar a luz e quando vemos já é dia, não lembramos de dizer boa noite, ou bom dia, mas sempre pedimos que durma bem. Somos estranhos a nós mesmos, somos esquecidos, mas ainda sim lembramos de tantas coisas.

Erramos o alvo e ainda assim cantamos vitória vez ou outra. Escalamos montanhas para poder ver o sol por mais um instante, e passamos frio a noite inteira. Nos enganamos para driblar esses emaranhados, mas continuamos sentindo. Guardamos a ficha para o momento em que a saudade estiver mais apertada, e marcamos encontros sempre onde teremos vigias. Morremos sempre mais um pouco, até que possamos ressurgir em um trecho qualquer.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

vazou feito cola quente
Aprendi mais uma coisa, e mais outra, e oura. E será que aprendi? Vemos tanto, ouvimos tanto, sabemos tanto, e ainda sim somos tão ignorantes quanto anteriormente. Sim amigo, falar de amor é brega na maior parte das vezes, mas é só a maior parte das vezes, e como não dizê-lo? Pelo menos uma vez na vida à uma pessoa precisamos falar dele. Divida o que disse com alguns amigos. E das lições, a lição maior que tive é que não aprendi nada. Os desejos se repetem, as expectativas, as esperanças. Os dias seguem sua ordem e como alterá-la não conheço. Sofro mais hoje, e menos agora. Retomo esse esconderijo de cores e tons. Retomo essa vida ao lado dos amantes que me abraçam e carregam no colo. Obrigada por abrir a porta para que eu entrasse, obrigada por me chamar de volta, provavelmente eu mesma não conseguiria ter arrancado mais um sorriso sequer naquela hora. Mas você me fez ainda ter motivos para sorrir hoje, apesar. E apesar de tudo sinto esse músculo aqui mais forte hoje, depois mais fraco e mais forte novamente, acho que às vezes ele se cansa de bater. Às vezes me parece que ele continua igualmente burro, espero estar enganada.

Aquele novo rosto que surgiu parece tão próximo e logo tão distante. Talvez não deva ter futuro, só passado. O passado que já me serviu para lembrar que é possível. Gostaria que não discutisse por mim, obrigada por me defender, sinto sua carícia muito mais forte agora. Mas não se importe tanto com esse ser tão humano que erra como todos os outros. Perdoe-me por não amá-lo da forma que deveria ou que gostaríamos. Perdoe-me por não ter resistido um pouquinho mais, e por não permitir que me carregasse consigo. Não sei se posso dizer que acordei hoje, ontem tomei mais gotas para dormir do que de costume, mas ainda assim preferi sonhar do que dormir.

Queria que você conhecesse essa minha face, queria apresentar-me a você sem pressa de partir. Queria não precisar esperar sua resposta, gostaria de saber o que será. Mas não sei, e talvez nunca saberemos o que teria sido. Mas aguardo sua resposta. Minha mensagem foi lançada ao mar e agora aguarda que o do outro lado a encontre e responda. Sei que poderei jamais recebê-la, mas assim sei que enviei. Antes que pudesse dormir voltei a acordar a penas para dizer isso, apenas para avisar que não quis ser indiferente. Apenas tenho medo do monstro que há em cada um.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Enfrente

Não posso mais, o último fio que conectava ao todo se rompeu. As cenas se repetem, as frases são as mesmas, as farsas são as mesmas. A Dó maior de Si mesmo, procuro um Lar, um abrigo que faça sentido. Tento reconhecer as disformidades espalhadas em cacos de espelho, azar por anos. Chega de sermos tão infantis, recuso-me a ser mulher. Tantas tentativas vãs, a aposta maior para vermos que perdemos antes mesmo de virar a primeira carta, e o baralho já está gasto. Como quis acreditar que o veredicto estava incorreto, mas nada muda, corro atrás do meu próprio rabo. Ao final só me restará fugir para longe daqui, só me falta ainda o bom motivo. Andar de Ré é uma idiotice que cometi várias vezes. Escapa por entre as frestas aquele Mio inconsolável. Deixa de ser tola, sabia o que vinha depois. Agora não há mais motivos para voltas, o guerreiro infiel venceu seu desafio final. Agora só podemos ir enfrente sem cavalos ou diamantes.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Provocar

Nos provocamos em mil pedaços, nos partimos e repartimos, invertemos os sentidos, ficamos sem sentido. Me reutilizo, ando sempre na linha sem perceber que a corda é bamba.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O estranho som do vazio

Você me perguntou, vai escrever hoje? Eu sempre escrevo, mesmo que não pegue a caneta. Comecei aquela história...e hoje já virou ontem. Comecei aquela história que já guardava há meses, misturei as pequenas partes e comecei a construir com tinta e vazio. Sentamos e ouvimos o amante solitário dar seus vinte e quatro passos, você já deu os seus. Com os pés no gelo ele seguiu seu percurso por estradas estranhas, e nós o nosso. Quer saber a verdade? Ela ainda está se criando. Tive vontade de voar com ele e falar aquela língua estranha. Como lamentou pobre homem, como quis estar do outro lado onde a lareira estala a madeira. Como quis ele estar nos braços de uma desconhecida. Comecei a contar a história e vi que repentinamente virei ela, e o que poderia fazer, não sei se empresto meu corpo a personagem ou se ela me empresta sua voz. Eu poderia cantar junto não fossem essas feridas, eu poderia recitar junto não fosse essa minha mania de manter-me fora do tom.

Como quis poder contar do tombo, mas não lembro mais do caminho que percorri. Percebi que aqui e lá fiquei sumida pelo mesmo tempo, mas estive por outras partes, por onde desapareço sempre por mais tempo. Sou uma visitante esporádica, mas gostaria de me tornar mais frequente. As coisas andaram um tanto bagunçadas, uns somem inesperadamente, e outros insistem em reaparecer. Sou louca? É o que dizem uns poucos insensatos. Na maior parte do tempo sou humana, mas às vezes viramos bicho. E daí me encontro de patas para o ar.

sábado, 30 de abril de 2011

Escutar

Tive que desligar para poder escrever. Tive que parar o barulho externo para poder ouvir o que havia dentro. Hoje é um dia como tantos outros mas sinto-me impelida a tantas decisões. Sim eu fechei novamente este blog, mas cuidado não faça confusão, o que eu fiz foi abrir para nós. As pessoas começaram a pensar que sabem exatamente do que falo, que sabem bem o que sinto, que podem definir meus direitos e deveres. Alguns pensam que as provações que passo não têm valor, eu também aguentei algumas coisas, e não é por um mimo de alguém que nem conheço que eu deixarei de falar como sempre falei. Pois bem, estou feliz que possamos novamente estar livres no nosso espaço. Agora podemos bater asas novamente, podemos mais uma vez assistir a cera derreter e se misturar às penas. O sol hoje brilha para nós, estamos mais uma vez soltos nesse campo em construção, em constante construção. Somos novamente só nós para que possamos por fim ser do mundo inteiro. E então viajaremos de mão em mão, sem nem supor os lugares que estaremos, serão tantos lugares. Viajaremos de olhos fechados e voz ativa, seremos devorados por olhos desejosos de nos conhecer mais e mais. E seremos tantos, seremos tantos que daremos trabalho a eles. Eles levarão tempo tentando nos conhecer, eles vão fechar e nos guardar em uma gaveta ou sobre a mesa, mas nós continuaremos rodopiando em suas mentes, consciente ou não. E nós estaremos em alguma nova atitude que eles tomarão, nós estaremos em novas ideias, seremos inspirações, seremos alento e inquietude. Construiremos com tinta e papel mundos inteiros, florestas e rios. Seremos grandes, seremos gigantes, estaremos escorrendo sem controle sobre isso. Seremos uma conquista a cada dia, e continuaremos cada vez com mais qualidade, cada vez com mais fome de fazer. E por fim esse será nosso trabalho, esse será nosso dever. Seremos simplesmente criadores, reprodutores de boas ideias, teremos as asas de cera mais resistentes, e que conseguiram chegar mais próximas do sol, e que conseguiram até tomar banho de mar, por estar constantemente se reorganizando, estamos constantemente nos reformulando, derretemos e nos remoldamos. Vamos agir, já sabemos o que queremos, então não percamos mais tempo. Disseram que somos capazes, acho que é hora de confiar.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Passou

Um sino toca ao longe e é novamente hora de recolher. A chuva cai lentamente gota por gota dentro de cada um. Eles se reúnem no corredor gélido e esperam que soe para ouvir a voz daquele que está longe, esperam que voe na corrente mais delicada com a notícia fatídica. Todos chovem lentamente, o céu é cinza e espalha seu frio para dentro das almas. Estão reunidos de pé no corredor cor do céu, alguns são vencidos e sentam com os cotovelos nos joelhos e as mão atadas. Dessa vez a chuva não escorre para o papel junto com as palavras. Dessa vez o texto não traz alívio. Acabou mais uma vez, as frases se acomodaram agora dentro do corpo imóvel. Nas memórias ele ainda se desloca com graciosidade, e ainda podemos ouvir o último sopro da sua voz. Por alguns segundos pensamos que tudo não passou de ilusão, uma grande farsa da mente cansada. Trocamos aquele sopro frio pelos lamentos de quem ainda pode, pelas súplicas por liberação daquele estado que é tão seu. Todos chovem lentamente, alguns são tempestade. Os ventos que sopram em si levam em direções contrárias, em direções variadas, levam sem direção. Perder o rumo é tão parte disso tudo, é tão complementar a essa incompletude que se instala. Não é mentira, não é pegadinha, não tem volta, não volta. Revolta não é como refluxo, não retoma, não recria, não revalida. Eles começam a se levantar, trocar posições, vão revivendo aos poucos. Escolhem seus postos e agem como podem para resolver, cobrem os espelhos e se reúnem no centro do tapete, uma mulher ao canto, um gato sobre a cômoda, um menino e um carrinho, um charuto apagado, muitos acúmulos, muitos vazios, muitos vazados, poucos planos, nenhum plano, quantas duvidas, quantas partes, de quantas partes somos, em quantas partes estamos, quando partem, quando partes. Quando, quanto, ficamos todos no mesmo oco, carregamos todos o mesmo vazio. Mas é assim sempre, só que agora temos no que pensar, ou no que tentar não pensar. Agora simplesmente temos o que não temos. Somos tão corajosos por ainda estar aqui, somos tantos e ainda assim somos tão pouco.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Àquela que ama


De cabeça baixa ela olhou de canto como quem tem medo, como se fosse tímida. Sua imagem inteira cinza logo revelou o monstro de dentes e garras pontudos. Avançou sobre nós descrevendo uma parábola, vimos sua boca crescer. Falamos que ela já podia partir, que não precisávamos mais dela, foi isso que provocou o ataque. Sentou novamente  a seu canto e engoliu seus fantasmas de breu e sustenidos. Rangeu suas cordas podres e pensou ser famosa sem saber que é passado. Quis ter tudo para si sem saber que já não pode mais se definir. Veste-se no guarda roupas da mãe, e toma suco de ambrosia para não estragar a forma. Sua lápide foi a melhor que puderam pagar, mas para isso só viajam fora de temporada. Gosta de andar na moda, mas é do século retrasado. Chegou tarde e por mais que insista será sempre um fantasma. Rodopia com seus amigos igualmente sombrios e engole as sombras que seu espírito atrai. Sabe que pode comprar qualquer coisa mas esquece que não tem o mesmo sabor, ou recusa-se a lembrar. Sempre acaba voltando ao seu túmulo para um pouco de descanso, mas sua cabeça não para, está sempre planejando o próximo golpe. Simula sentimentos nobres para provocar a piedade, mas é constituída de ira e mesquinhez. Come grama enquanto espera o próximo milênio. Olhado rapidamente seu rosto é de jovem, mas já nasceu velha, seu corpo é de velha e enruga-se cada vez mais, até que seja novamente hora do ataque.

Alguns exageros são tão sublimes, e eu não haveria de ser um ser humano exceção. Somos todos diferentes mas não há exceção a regra maior. Não há superdotado, santo ou bandido. Somos todos igualmente humanos, e por vezes somos todos igualmente gélidos. Todo humano se revolta, se irrita e se recria. Todos às vezes fingimos uma face que não nos é recorrente. Todos nos agarramos a fatos que nos convém. Mas poucos de nós temos coragem de dizer: sim estou furioso! Sim estou furiosa! A mensagem foi captada mas não apreendida. Esse campo não é de batalha, é de flores, de colheita. Esse caminho é meu, conta a minha história, fala quem sou, fala dos que vejo passar enquanto estou com os olhos abertos ou não. Fala das coisas que filtro, muitas vezes sem nem bem saber de onde. Somos captadores, sou uma antena sem fio. A cura espiritual é uma entre tantas outras escolhas, meu bem. Eles giram sobre a sua cabeça porque você os atraiu para junto dela, e isso não fui eu quem disse. Se você ainda os vê, se sabe que eles ainda estão aí porque não muda para que eles possam ir. Sim, a vantagem do texto é se aplicar a qualquer um, mas não se enganem, não se iludam, não se coloquem no centro da máquina mortífera. Abram os olhos toda manhã e olhem pela janela, desliguem o computador e apreciem um pouco o mundo, apreciem um pouco tudo de maravilhoso que está ao alcance das suas mãos. Parem de comer os problemas no jantar, parem de virar a noite diante do computador. Apreciem, as coisas nascem na frente de vocês, elas crescem e se desenvolvem tão belas. Porque não sentamos e simplesmente absorvemos um pouco do mundo. Exercitem o silêncio, escutem a voz interior. Paremos agora de correr desesperadamente atrás de quem culpar. Vamos apagar a luz e meditar um pouco antes de dormir. Vamos nos livrar das drogas que consumimos para dormir e depois para acordar, para nos sentirmos felizes e depois para emagrecer pois a anterior engorda, para inflamação e depois para o estômago. Vamos nos sentir inflamados, vamos inflamar pelas maravilhas que vemos, que temos, ou que nunca teremos mas sabemos que são maravilhas. 


Porque não paramos um segundo, porque não vertemos um pouco sem responsabilidade alguma, pelo simples prazer de verter. Porque não nos reconciliamos primeiro com nós mesmos, depois com os que estão ao nosso lado, para aí sim atacarmos ou amarmos os que estão mais longe. Porque não paramos exatamente agora, basta de ataques ou desconfianças. Não adianta tentar descobrir onde está o problema maior, pois ele está sempre nos nossos olhos. Porque não nos purificamos no lugar de marcarmos reuniões para discutir o indiscutível. Porque não ouvimos simplesmente o que dizem nossos peitos, o que brota das nossas mentes, porque não absorvemos um pouco desse mundo sem tantos pré-conceitos. Podemos assumir que o bem e o mal nem mesmo existem, não um em cada ser. Temos os dois dentro de cada um. Olhe que estupidez julgar alguém que nem mesmo conhecemos, olha que idiotice a mãe que entra na escola e culpa o coleguinha que nem sabe o que está acontecendo. E por que isso acontece? São só crianças! Elas tem as duas potencialidades igualmente fortes, elas são o que ensinarmos a ser! Mas as mães estão cegadas pelas novelas que lhes ensinaram que de um lado está o bem e do outro o mal. Elas ainda não aprenderam que eles se misturam e convivem em um só ser! E que é normal que depois de um certo tempo alguém se canse, que alguém diga aquilo que muitos queriam ter dito.


Somos todos iguais, somos vulgares, ordinários, somos extremamente comuns. Eu já disse, eu repito. A alegria de estar misturado a essa massa indistinta, esse balaio de gato, esse emaranhado de almas, de sentimentos, de fumaça, de descrença, de fervor. E quando sentimos muito ficamos apavorados, queremos morrer, queremos arrancar o coração pela boca para não ter mais que sentir, nunca mais. Queremos que pare, só isso, queremos que pare de uma vez e não volte nunca mais, queremos que não doa mais, queremos não ter mais que acordar com os olhos inchados, as pálpebras vermelhas. Queremos não lavar mais os lençóis a noite, queremos não chorar mais pelas ruas. E por sentir tanto chegamos a pensar que era melhor não sentir coisa alguma então. Mas quando anestesiamos, quando deixamos de sentir, ai então repensamos tudo. Pois não sentir é como estar morto para si próprio, é como se não falássemos mais com nós mesmos. E se eu não puder me ouvir, se você não puder se ouvir, o que teremos a fazer então? Pular no pescoço do próximo macaco que passar e culpa-lo pela nossa eterna insatisfação, mas não sentimos, não podemos nem ao menos estar insatisfeitos.


Paremos um pouco então. Qual é o pavor da dor? Dói terrivelmente, sufocamos, não podemos respirar, não sabemos mais nem o que dizer, e subitamente tudo passa, depois tudo volta, e tudo passa, e tudo volta. E assim vivo em uma gangorra de sentimentos e sensações. Assim deságuo e ilumino em breves intervalos de tempo. Não adianta fugir disso. O pavor não salva ninguém de coisa alguma. Por isso só peço que me deixem viver minha vida, deixem-me prosseguir escrevendo, pois escrever é a única coisa que me salva, é a única tábua flutuando no meio desse mar. Não sei para onde ir, para todo lado que olho vejo a mesma coisa, água. Mas tenho essa tábua, e se continuarem a me cercear nessa tábua não me restará mais nada. As coisas belas são para ser mostrados, e o podre também pode ser contado de forma bela. Eu fico feliz, agradeço aqueles que lêem. Fico feliz em saber que as pessoas ficam tocadas pelo que escrevo, que depois pensam no que viram, que algumas até mudam suas atitudes em decorrência de determinados textos. Mas eu peço que ninguém se atire de precipícios ou me ataquem com cacos de vidro, pois então teríamos perdido nossa humanidade, teríamos esquecidos que somos ambíguos por natureza, e que cada um tem o direito de sentir a seu modo. Nunca menti para você, e também nunca disse que seria fácil. Eu sei como dói, já estou nessa faz algum tempo, já tentei esquecer tantas coisas que ainda me assaltam. Não tirem minha única tábua em meio a esse mar, pois então afogarei. E você saberá o que aconteceu, mas eu não, pois estou cansada demais para entender o que se passa, estou cansada demais para prosseguir em uma luta que não criei, não pedi para entrar, e não sei que propósito tem. 


Peço desculpas por me demorar, por dar voltas, por me perder e tentar me encontrar ainda na sua frente. Só peço que me deixem segurar a minha tábua, que me deixem fazer a única coisa que sei fazer. Só quero que me deixem continuar essa reza muda contida em cada frase. Deixem-me viver, não me afoguem nesse mar que eu mesma verti.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Voltar para a casinha

mais uma vez. Vamos fingir que somos normais, só um pouquinho.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Ainda é a vela, precisamos de ar. Sopro agudo e o professor avisou que vento não faz barulho. O que canta então? Será nosso peito distraído na escuridão? Pede, pede logo perdão e vamos embora antes que ele fale mais. Pega sua mala, as rodinhas estão quebradas. Rápido, vamos deslizar. Vela colorida agita no ar, agita o ar. Navegamos contra a maré, mas estamos a favor do vento. Estamos submersos mas nossa vela ainda brilha. Barco a fogo, mastro parafina. Esquece que somos dois a voar com a maré. Rápido, deslize por esses caminhos que inventamos, vamos chegar logo pois a viagem já dura muito tempo. Cuidado com o cotovelo na aresta, cuidado com o joelho e com a testa. Pegue aquele casaco quente pois pode esfriar no caminho. Vamos chegar antes das onze e aproveitar as últimas horas do dia. Vamos escutar o vento e esquecer o que diz aquele professor maluco. Vamos roubar sua peruca branca e esconder no baú florido. Vamos rápido antes que nos vejam. Esquece essa vida que nos segue, ignore estes ramos de erva daninha. Arrancamos um a um todos os anos e eles ainda crescem. Sabe que nada brota em mim sem que seja regado. Sabe que as flores brotam nas minhas orelhas, são brincos de princesa, e ainda assim continuamos plebeus. E é no vulgo, no indistinto e ordinário que fazemos nossa riqueza. Misturados ao todo conseguimos ser únicos porque erguemos as mãos quando sobe a maré. E somos tão únicos quanto todos os outros. É nesse balaio de gato que nos reconhecemos e miamos dengosamente um para o outro. Somos tão ordinários, temos nossos costumes ordinários e nossa vela ordinária. Acontece que cada vela só brilha para seu próprio dono, e por isso só nós sabemos para onde o vento nos sopra.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sonhos

Sentar novamente e esperar que uma fagulha de essência caia sobre mim. Essa noite sonhei com passados, voltei a um antigo hábito sem prévio aviso ou pedido de permissão, velhas aulas de dança agora em um sonho com lenço de lã no quadril. Uma piscina, um antigo... um antigo o quê? Sonhei com ele, mas acho que o que meu inconsciente mandava era uma ideia de ser, um alguém que pode nem ser ele, talvez seja o mesmo que já me visitou em outros sonhos. Por que volta agora, alma que não se concretiza. Reaparece e reaviva aquela velha sensação de que podemos nos reencontrar, e me faz lembrar de que é você quem eu procuro? Onde está então, na beira daquele mar onde eu espero e você termina seus estudos para poder vir me encontrar. O texto de cujo autor você só lembra o apelido e o primeiro nome, mas é belo de qualquer forma, é um amigo seu. Mostra-me à sua mãe, vamos ao seu quarto um tanto bagunçado e enquanto você arruma a cama eu escovo os dentes, almoçamos juntos e seu pai brinca de roubar knishes do meu prato, reparo que me agarrei ao fato de serem de batata e esqueci da salada. Entramos no jogo, e sirvo mais beterraba do que pretendia, quando vejo meu prato já está cheio e não sei com que garfo servir o alface. Você não fala a respeito e muito menos eu, mas espero que ainda lembre de mim. Você me abraça como quem lembra e quer matar saudades. Eu já acordei mas você ainda passa o dia a meu lado. Essa é a necessidade que temos de ter pelo menos um longo dialogo já que nos encontramos. E vivemos de reencontros breves para que possamos dizer até logo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Velhas velas, vê-las gastas

Procurei entre os papéis amassados a melhor explicação para aquela nossa ideia infalível. E não encontrei, não encontrei. De que adianta explicar se a verdade está bem diante dos nossos olhos? Mas o que é a verdade para uma mente confusa. Depois de meio ano já não sabemos quem fomos, ainda não sabemos quem somos. Eu diria que não é mais preciso uma palavra, que basta de sorrisos ou abraços, que basta de ser ou deixar de ser. Eu diria que vá e não olhe jamais para trás. Eu diria que se cale para sempre. Eu faria. Se eu fosse. Onde estou? Esqueça!

Caí em um redemoinho e giro há meses. Em alguns momentos fico submersa na água, bato os braços e puxo o ar com desespero. Pisco os olhos com força, mas as imagens estão sempre embaçadas. Tontura sempre as 2 da manhã. Fome sempre as 6 da tarde. Jejum a vida inteira. Cavalos mancos, ferraduras velhas, espinhos secos, velas gastas. Talvez eu só possa parar os braços e pernas. Talvez só possa esperar que a água me leve ao fundo, mas lá a terra não é firme. Quem sabe passe uma grande fênix e me ofereça sua pata. Mas enquanto rodopio na água só posso rega-la com meus lamentos, pois tudo que vejo é igual a tudo o que vi.

Sim, eu solto teu braço. Solto também minha alma, e quando eu acordar ainda irei vazar pelos mesmos motivos, ainda estarei sentada sob a mesma goteira, os pingos gelados ainda serão regulares no topo da minha cabeça. Minhas fraldas ainda estarão atadas, agora um pouco mais gastas. Chegou a hora de parar a natação, pois todos podem ver como nado contra a maré. Teu veredicto foi dado, então me calo. Deixo que sequem minhas raízes nesse solo árido. Pois se não é assim a vida, a terra a girar em torno do sol, e ele indiferente a girar em torno de si. 

Nesses dias sem chuva seco e resseco. Nesses dias sem nuvens sou completamente nublada. Nesses anos sem pausa estou entre quatro paredes. A terra rachada e minhas raízes engaioladas por teu sopro gélido. Giro a meses ou terei sempre estado a girar? Sufoco e as velas estão gastas. Troco meus passos com os teus, mas agora sou água.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Hoje me releio e penso no que você disse, no que vocês disseram. Sei devo definir o que combinamos mas nesse horário meus olhos só querem repouso. Os ombros doem e sobem pela nuca, e a carência me faz choramingar nos ouvidos. Eternamente flutuante sem que o rabo preso me condene, pipanoar sem perder o prumo. Guardo sua dica, mas não sei onde. Vou reencontrar, vou me formular, vou desvendar esse mistério para poder partir para os próximos.

sábado, 2 de abril de 2011

Repetir a mesma frase até que ela esteja suficientemente suja e gasta. Gaguejar incontáveis vezes o mesmo nome até não ter mais certeza de quem é. Ganhar um lugar no céu pelo simples fato de nunca ter vivido. E deixar de viver repentinamente por ter se deixado inundar com os olhos ainda fechados pela cola do nascimento. Roupas, sapatos acessórios, um vestido novo, uma passagem para o inferno. E quando formaram as primeiras gotas de orvalho ele ainda contava histórias de monstros reformulados em cirurgias plásticas. As mãos macias sangram toda vez que volta o inverno, e os lábios cansados proferem estrofes batidas. Cacos podres compõem a estrada de maus sensos que leva ao centro de suas pernas, que faz com que eles se dobrem e doam toda vez que tocam o chão. Rupturas incompletas constroem falsos recomeços. Então reencontramos velhos amigos, a noite está nublada mas sabemos que as estrelas ainda brilham acima das ilusões de óbito. Nessa noite contamos nossos sabores, construímos com fio e cola, e pudemos até sonhar que somos capazes de ser independentes. Mas o sol sempre pode nascer com um pedido de não ter que acordar mais, e esse desejo já nos é velho conhecido. E ter que resistir a cada amanhecer pode ser duro demais para quem tem medo de fantasmas ainda vivos. Começamos a abraça-los em falsas confraternizações. Espero que em breve possamos ser apenas. Ele soltou a frase em meio a ventania e ela voou rodopiando até acertar um poste gelado e sentir penetrar e se espalhar pelo corpo cansado de tantas voltas. É chegada a hora de encontrar um ponto final, para que possamos virar a página e começar um novo capítulo.

domingo, 13 de março de 2011

Bolas de gude, bolhas de sabão

Girar a manivela, deitar sobre o cobertor, barriga no chão, pernas no ar, mão sob o queixo. Olhar atento. Flutuam pequenos poemas, rolam vidas inteiras. Não esquenta, frio lá fora, lareira aqui dentro. Lareira aqui fora, frio lá dentro.

sábado, 12 de março de 2011

Ser curta, é o que aprendi ao longo dos anos. Somos todos muito longos, mas nos resumimos em estrofes, linhas, parágrafos. Nos explicamos sem necessidade de lembrar de ter foco. Nos prolongamos, nos alongamos, nos deslocamos. E ver de um ponto novo é sempre importante. Descer bem fundo para poder quase entender o que há lá. Depois de várias descidas consecutivas, de surpreender-se com quanto as coisas podiam piorar, podemos voltar lentamente. Nos desentendemos na mesma língua, roubamos frases do desconhecido. Desconheço-me para reencontrar em outras partes. Reconheço-te e é assustador respirar. Não há problema que aquela xícara de porcelana tenha caído no chão e partido em tantos pedaços. Chorar sobre seus farelos não vai fazer grudar. Não se recupera por completo, então criemos um novo começo, façamos um novo fim. Mas também o fim pode ser mais um novo começo.

sábado, 5 de março de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Foi por medo de avião que peguei na tua mão, mas agora salto de para quedas.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Hoje entre uma corrida e outra escrevi algumas linhas tortas e sujas. Esqueço rapidamente todas as boas ideias e logo em seguida renovo. Dias longos de frases curtas. A vida é a farsa a levar por todos, já disse o poeta. E suas palavras rodopiam enquanto passo minhas temporadas no inferno. Parece que a neve tem esfriado os ânimos e produzido aquela sensação de formigamento gostoso antes do último pulso. Dormi quarenta e oito horas e quando acordei ainda era o mesmo dia. Parece que o dia insiste em não mudar, quem sabe mudo eu.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Cansada de acordar sempre no mesmo lugar caí da cama e passei frio o resto da noite. Voltei para meu quarto e encolhida vi que sou sempre a melhor companhia. Sonhei com tudo o que há na realidade enquanto comia biscoitos de avelã, chá fumegante, amigo à mesa, futuro nublado, frutos coloridos. Rasgar uma velha fotografia é sempre um bom começo, queimar o estoque de fraldas e sempre carregar um lenço no bolso. Desconfio que a felicidade a dois pode ser a alegria de estar só. Viver de mentiras é viver do resto e abandonar o todo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Descarta

Uma cigana que perdeu suas asas.
Perdeu o destino que ela mesma traçou.
Seus traços ficaram borrados e gastos,
suas mangas sujas a barra da saia.
Quis levantar barrada, saia!
Cigana de olhos verdes previa sem cartas.
Cigana sem olhos previa, quase sempre.
Se ensaia, cigana de saia, saia!
Chove na cigana, chuva de cigana.
Chuva de cigana é suada e intensa,
cai com força, seca rápido e dura.
Chuva de cigana é sal grosso, pimenta.
Cigana sente sem dizer que sim e
morre todo dia sem admitir. Sente.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Uma nova nova possibilidade. Cortei o dedo em um caco de cristal e ele chorou vermelho sangue.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Enterrada viva

Cada parte minha ardia de dentro para fora, o refluxo passeava pelo peito como se fosse sua casa. Não pude mexer parte alguma sem acordar os fantasmas do outro lado. Falta de ar e frio. Meu peito completamente comprimido dentro de si. Descobri que meus olhos já estavam abertos, fechei mas continuaram a arder. As noites são sempre intermináveis e o sol se pondo um tormento. Toda manhã me lembra que não dormi mais uma vez. Sinto a terra caindo sobre meus ombros, e toda vez que vou fechar um olho cai mais um pedaço. Toda vez que tento respirar lembro que estou soterrada. Tanta coisa há que é vazio.

Passo os dias sentada a uma janela. Quando chove lembro que ainda é possível ouvir. Aqui sempre chove em partes, também o sol vem em partes, e os carros em ondas. O sinal é um estranho divisor de águas que acumula e espalha, acumula espalha, acumula espalha. .  .   .   .    . Às vezes sinto falta de um tempo que não tenho certeza de que vivi. Geralmente não lembro do que disse, e brigas me fazem esquecer quem sou. Mas uma picada de cobra é sempre revigorante.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Unhas roídas até a raiz, a pobreza de um espírito encarnecido. Comeu a carde do outro ainda sob suas unhas. Berrou de dentro do seu poço enlameado e esqueceu que do alto da sua torre de marfim era meretriz. Cascata de ócio, disfarçou a indigente que é vestindo-se de rainha. Rastejou até a parede mais próxima e morreu de desgosto antes de nascer.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vai

Texto do dia 1.
 
Caminha, passos adiantados, anda, rodopia, corre. Estimulo, estipula o horário. Corre mais uma vez, pulo. um salto criativo, um embotamento emocional. Corre esquece a passagem, secreta. Some some, some mais uma vez, deixa que passe o que não tem passado. Corre, esquece o que estava por vir. Não, sofre, resfria, respira, espirro, expirou. Deixa que suma, suma, assuma. Cai, deixa cair mais uma vez, sobe, some! Soma, um com todos, tudo com o seu, o seu com o que tem e terá o que quiser. Subtrai, não o seu, o que não tem mais, mas o que se perdeu nunca foi seu.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um texto vindo do futuro

Tive que reescrever. Perdão. Espero que esteja a sua altura, espero que compense e não faça com que você se arrependa dos elogios. Cólera, enchi um saco de areia para aliviar. Cantarolei aquela antiga canção que nos fazia rir pensando nas coisas que desejamos e ainda não temos. Cantarolei mais alto e com mais força para ver se ela nos trazia de volta, voltas foi o que senti, as paredes do pequeno aposento girando ao meu redor, não voltamos. Bati palmas vigorosamente, compus com meus próprios intervalos, senti a agitação gostosa, a energia se reorganizando. Minhas mãos irritadas, dedilhei no ar. Gira, gira gira gira gira Ponto Recomeço, cantarolei nossa canção, sentada a um canto abraço minhas próprias pernas, suas próprias pernas. Nossas costas se apoiam e olhamos em direções opostas. Saímos de algo distinto, cruzamos caminhos e chegamos a reinos distantes. Mande um telegrama contando do seu sucesso, mandarei um também, lembrarei de mandar flores no seu aniversário, poucos chocolates, sei que não quer engordar. Começamos a visitar nossos restaurantes preferidos, sempre bebemos um gole de água no final. Este pequeno aposento ficou árido sem você, mas parece que hoje descobri uma janela.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Elas também são eu

Aceitar um outro lado seu sem dizer que seja, é libertar-se do egoísmo.
Eu mesma poderia dizer que estou sem nunca partir?
Esse possivelmente seja meu retorno, e agora que quase posso ser eu mesma novamente descubro que de fato sou várias. E que talvez deixar de ser "eu mesma" seja parte de ser eu mesma. E eu mesma diante dos outros é ela mesma, e sou tantas elas que nunca se pode ser exatamente a mesma coisa, e às vezes, quem sabe, eu possa até mesmo ser ele, sem deixar de ser ela, ela ou eu.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Nuvem de tempestade sobre a cidade horizontal. Roupas no varal, brinquedos na varanda. Demos as mãos e dividimos o peso das compras do mercado. Cansados de tanto andar, repensamos velhos conceitos enquanto tomávamos chá. Uma joaninha verde pousou na janela, a réstia de luz ainda permitia ver seu sorriso. Quando as gotas caíram disforme e incertas soubemos que não adiantava o guarda chuva colorido. Quando rompemos com o mundo sabíamos que não encontraríamos outro de nós no inconsciente de um gigante. O mundo se perdeu em uma translação qualquer. Hoje é dia de vestir galochas pois deixamos inundar até a canela. Meu chá esfriou antes das cinco, deslizei pelo morro ainda úmido.

Nuvem de tempestade, os pingos caíram irregulares e incontáveis. Galochas para atravessar a rua, capa de chuva para deitar no chão. Chaves sob o tapete, chaleira no fogão. Roupas no varal, na estufa, na cama vendaval. Toda descoberta, partiu para o fim esquecendo de passar pelo meio. Ferro de passar, gorro para andar de balanço. Pêndulo incerto, em algum momento para, pois nem sempre o que volta vai.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Desculpe me demorar tanto, tentei segurar o tempo nas minhas mãos e ele escorreu, deixe que voe livre então. Vá com o vento, sou uma folha livre que rodopia como se não fosse mais parar.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tem alguém aí?

Nos últimos dias o que me assusta não é doer tanto, será isso real? Hei, tem alguém aí do outro lado, isso é real? Você aí, dê sinal de fumaça! Tem alguém aí, tem algo que escorra dentro de você? Quem é você? O que é você, se é que você é você mesmo. Você é o que aparece? Onde está sua face, cadê sua outra face, cadê sua face intermediaria que esconde todas as outras faces? Onde está seu eu que não o burro falante? Onde você largou o seu lado de dentro que se perdeu do lado de fora. Tem alguém aí? Responda. Acho que estou completamente só falando para uma parede invisível onde todas as palavras batem e escorrem letra por letra. Você está aí? Viu o que aconteceu? Conte-me, diga a verdade. Segure minha mão e me leve daqui, o rio secou. Espero que tenha alguém aí, ou será que a liberdade consiste em acreditar que ninguém ouve do outro lado? Você viu? Você viu que eu não pude mais, que não tinha mais o que eu pudesse fazer, você sabe que não fui má por lutar? Você sabe que não foi uma escolha idiota, uma opção egoísta, um chute na boca do estômago? Foi sim um chute de mim para mim mesma. Veja só que maravilha, você ainda está aí? Não feche ainda, não me deixe aqui sozinha, não agora. Preciso de você, ainda está aí?
Eu corri por aqueles campos nublados, esta manhã sentei na janela do sétimo andar e balancei minhas pernas do lado de fora, a cidade é grande e cheia de prédios, a chuva lavou e sujou, se misturou à água da piscina. Eu não pulei, apenas escorreguei um pouco para frente e escorri pelo ar. Desculpa, eu não quis bater com a cabeça contra a parede tantas vezes. Mas é por isso que você ainda está aqui, você... ainda está, não está? É por isso que ainda está, porque eu continuei batendo minha cabeça contra a parede, só assim você teve o que ver. E você achou divertido ver o sangue escorrer, tudo bem, você não sabia que era isso que estava acontecendo. Não vai agora, por favor, fique mais um pouco. Eu não quis ser má. Mas eu fui? Posso até ter sido, quem sabe, tudo depende de como olhamos. Não há um ser mau, mas há quem nos magoe profundamente. Eu magoei você? Não há o que perdoar, não é? O perdão já veio embutido nessa volta. Gostou do passeio? Por onde fomos nesses últimos meses? Que lugares visitamos sem nem nos darmos conta de que estávamos indo. Obrigada, obrigada por me fazer companhia por tanto tempo. Continue por favor, eu não vou desistir. Você vai? Não desista, não estou falando de mim, falo de você é claro. A única coisa da qual não deve desistir, a única coisa pela qual deve lutar, pois é o único que certamente ainda estará a seu lado. Não importa. Eu não pulei, eu escorreguei. Você está certo, não tentei segurar, e isso é um erro?
Por acaso o erro existe? Erros não existem, existem resultados fora do esperado. Por que você esperou então? Por que eu mesma esperei? Estávamos esperando um pelo outro, não, você não estava esperando por mim não é? Só vem me visitar às vezes. Essa é a primeira vez que você me visita? Desculpe a confusão, esse é um período em que nada é, nada está, tudo pode ser, e não se sabe como ficará. Saiba que não me sinto mal por você, o problema é o que sinto mesmo. Eu não sou egoísta, é que não sei quem você é, me importar com o possível desconforto de um desconhecido diante do meu afogamento poderia ser um erro. Você não sabia? Não, não foi a enchente, me afoguei foi com o ar. Sim, ar em grande quantidade, e logo sufoquei. Você ainda está aí? Eu avisei, não avisei? Continuaria morrendo ainda por um tempo. Estou feliz agora, estou feliz porque você está aqui comigo. Sim, eu estava agonizando até... até agora, até você vir aqui comigo. Até você segurar a minha mão. Obrigada, obrigada por caminhar comigo. Obrigada por segurar o galho da árvore para que eu pudesse me servir de fruta fresca. Eu sei, ele mentiu. Tudo bem, nós perdoamos, não perdoamos? Não berre desta forma! Sabe que é feio ser histérico, desculpe, não direi que perdeu a compostura pois nunca teve. Você viu? Viu o que estão fazendo, matam-se e querem que eu seja cúmplice disso!
Basta, não basta? Chega de tantas voltas estranhas não é? Não, não é. Estou nesse redemoinho que não se sabe aonde vai. Você ainda está aí? Não leu os últimos livros que li, não é? E como posso culpar você? Não posso. Sabe, encontrei um livro que me descrevia. Não pude acabar de ler ainda, mas era eu que estava lá, e senti que gostaria de ter sido eu a escreve-lo, mas não fui. Não me sinto triste por isso, sinto-me grata por alguém ter me escrito sem nunca saber quem sou. Clarice, é assim perder o terceiro pé? Como fico se eu puder andar agora. Como faço se quero ter a coragem de deixar moldar sendo que tenho urgência? Você ainda está aí? Não vá, ta bom? Tem alguém aí? Diga se você está aí, estou com medo de ver minhas palavras escorrendo letra por letra nessa parede invisível. Porque se tudo que esteve até aqui escorrer assim, não serão apenas essas coisas, serei eu escorrendo. Serei eu me desmanchando e me perdendo. Eu terei perdido a razão de ser. Terei me perdido de mim mesma. Tem alguém aí? Diga se você me vê, porque eu não posso fazê-lo. Estou cega, o sol de hoje entrou nos meus olhos. Não me joguei, empurrei minha bunda para a frente. Volta. Desculpe, não quero ser chata, mas não quero deixar de ser o que quer que seja. Ouve, o que traz o vento? Ele diz que chegou a hora?
Foi o vento, ele me chamou para escorrer com ele, até chegar aos ouvidos de quem quer que seja. Sente? Estou queimando. Segura minha mão quando pudermos voltar, precisarei de uma mão. Ainda estará aqui? Você viu como ele partiu mil vezes? Viu como ele se jogou a qualquer coisa como se pouco importasse? Viu que tudo o que disse ser meu não era de fato? Viu como as palavras são leves e voam sem nem mesmo precisar de vento? Estou cansada de flutuar dessa maneira, com esse rabo que me prende, que controla minhas manobras, que não permite que eu vá além, que me desvia dos galhos das árvores. É assim que vive a pipa, ela pode voar mas com uma condição. Só que ele já partiu, prendeu meu fio em uma pedra e foi embora para garantir que eu ainda estivesse ali quando voltasse. Brigou com quem ousou se aproximar empunhando uma tesoura. É assim que as coisas deveriam ter sido? É sob as pedras que nos escondemos? Ou escalamos elas para que possamos ver de outro ponto? Na tentativa de resolver as coisas acabamos nos precipitando. Como posso apenas flutuar sem nunca escolher meu rumo?
Eu vi uma pipa laranja num céu azul bem clarinho, um menino segurava seu fio correndo por um grande gramado bem verde. O céu iluminava tudo, mormaço do meio de tarde. Ele correu muito até chegar a beira de um rio muito limpo, deitou sob as árvores e ficou ouvindo o som da água escorrer nas pedras. Dentro desse rio tinha peixinhos multicoloridos e brilhantes. O menino dormiu e sonhou com seus castelos subaquáticos e suas histórias sobre pescadores. E o que aconteceu com a pipa enquanto ele dormia? Poucos sabem, mas era ela quem contava as histórias que o fizeram adormecer. Mas ninguém lembrou de agradecer apropriadamente, e isso também não era um problema para ela. Será que não era mesmo um problema para ela? Essa é a história, você segurou a minha mão por tanto temo, achei que era hora de contar. É essa a história dessa pipa no ar, dessa pipa flutuando sem saber exatamente o que é, para onde vai, sem saber quando será solta, e se for para onde o vento a levará. Pequenos retalhos seus espalhado por aí sem que ela nunca fique sabendo. Eu vinha na carona dessa pipa, mas não será agora a hora de escolher meu próprio rumo? Desculpe a desordem, a confusão das palavras. será possível? Onde você está? Por que está aqui comigo agora?
Você está aqui comigo mas está aí do outro lado. Serei eu então uma iludida. Eu me iludo com sua falsa companhia ou me iludo com sua falsa ausência. Ou você está exatamente aqui mesmo estando ausente. Essa teia mundial que nos liga, nos aproxima e nos afasta. Por que você não vem aqui? Por que você não diz também o que pensa? Por que você olha e parte? Você realmente existe, você está aí mesmo? Eu estou aqui, estou inteiramente aqui, estou despejando coisas que eram só minhas para que pudessem ser suas também. Para que pudéssemos compartilhar. Isso tudo aqui é meu. Mesmo depois de ter sido invadida, mesmo depois de terem invadido meu esconderijo secreto, minha casa na árvore. E mesmo que depois de tudo isso ainda tenham mentido para mim e dito que não devia me zangar pois não foi por mal. Desculpe, mas eu me zanguei, eu me senti profundamente triste, eu perdi o abrigo e a noite estava fria. Você ainda está aí? Então preste atenção, pois fui como o exército lutando contra a guerrilha, foi isso que me aconteceu. Eu nunca quis que isso fosse uma guerra, nunca quis o mau para ninguém, mas me envolveram nisso, e do outro lado estava mentira e falsidade, falsa fraqueza, falsa meiguice, um pobre de mim exagerado, a conquista pela pena. A guerrilha fez de mim exército, e eu deixei que fizessem isso comigo. Eu não preciso de perdão, só quero saber se você está aí. Porque do lado de cá as coisas estão confusas, eu não tenho ideia do que esteja acontecendo.
Minha luta agora não tem inimigo que não seja eu mesma, e meu aliado é você aí do outro lado. Você existe? Ainda está aí? Saiba que dói deixar o que desejo em nome do que acho certo. Não quis bater minha cabeça tantas vezes contra a parede, o sangue coagula e volta a escorrer. Eu não quis me jogar, eu escorri. Desculpe me demorar tanto, espero que você ainda esteja aí. Você está aí? Tem um pássaro voando nessa direção, não sei o que vai acontecer. Quem é você aí do outro lado? Onde vou aterrissar? Que janela estúpida, não vejo nada além do seu vidro. Mostra-me o que quero ver mas não onde você se esconde, e então como saberei se há alguém aí? E de que me adianta se não sei o que quero ver? Afinal quem sou eu?