A chuva escorre pela vidraça, escuto em silêncio suas gotas esparsas
atingirem os telhados. Cubro os tornozelos com a coberta de lã, espero pela
mudança de temperatura que se anuncia lentamente. O sol raiou por tempo
suficiente para secar minhas roupas. Inclinei-me ao tanque por tempo bastante
e quando o telefone tocou descobri que já era hora de almoçar. Um copo
quebrado, alguns minutos de atraso. A chuva escorre e nós já esperávamos por
ela.
Durante o dia deixei que ela tomasse sol, depositei-a cuidadosamente no
peitoril da janela, ela sacolejou alegremente com o vento morno que vinha lá de
fora. As cortinas brancas se agitaram e derrubaram alguns objetos sem
importância. Seu banho de sol foi proveitoso, assim espero. Ela absorveu a luz
necessária para enfrentar os próximos dias nublados, espero que seja o
suficiente para suportar alguns dias dentro da gaveta. Pego então uma caixinha de madeira acolchoada, tecido colorido, bordado.
Os dedos
se espalham alegremente por aqui e por ali, compõem essas histórias contadas
com borrões e intervalos. Criamos uma cantiga que diz verdades doces em tardes
de verão. Hoje durante o dia sentimos o ar morno, acordamos com a carícia do
sol do outro lado da persiana, e pensamos no tempo para o nosso feriado. Sempre
que saímos de feiras compramos um pacote de jujubas, enchemos garrafas de água,
e carregamos algumas maçãs e guardanapos. Viajamos olhando a paisagem, fechando
os olhos e sentindo o balanço. Gostamos principalmente de
sentir a brisa.
Roupas na mala florida, um lenço no pescoço, chapéu na cabeça. Vestimos
botas de cano alto para proteger os tornozelos, ordem do professor. Quando
chove uso capa de chuva, visto uma touca, e abro meu guarda-chuva da estação
passada. Lembro do meu último guarda-chuva, tantas chuvas guardou. Presente de
aniversário das minhas avó e bisavó. Era uma sombrinha dessas pequenas que
podemos carregar na bolsa, e eu carreguei. Pegamos chuvas das mais
variadas, até que ela adquiriu uma goteira e em uma ventania quebrou uma das astes. Com o passar do tempo tive de substituí-la, pois sombrinha de montar e com
goteira dá trabalho.
Gosto de bolinho de chuva, principalmente na casa dos amigos. Gosto de bolinho
de chuva com chá de hortelã, gosto de bolinho de chuva com açúcar e canela.
Gosto de bolinho de chuva com tinta e pincel, com papel e lápis, com filme e
mate doce. Gosto de fazer maria-mole e ver os outros comendo, mas não gosto do
barulho que ela faz para ficar pronta. Gosto de ver o coco ralado caindo feito
chuva, mas chuva caindo feito coco ralado é neve. Visto botas de cano alto e
capa de chuva. Visto touca para não molhar os cabelos no banho. Uso toalha para
secar o rosto, e uso varal para secar a toalha.
A chuva escorre pela vidraça e eu penso que não preciso estar lá fora, que
aqui dentro é quentinho e seco, que aqui dentro é quentinho e iluminado. Eu
escuto a chuva, e sei que a noite se espalha lá fora. Eu escuto a chuva e
escuto o barulho dela no asfalto. Eu escuto a chuva e lembro do telhado de zinco,
escuto a chuva e lembro do temporal. Escuto as gotas esparsas caindo aqui e
ali, escuto as gostas gordas fazerem taque quando batem. Eu sei do leite que
fica quentinho quentinho, e com uma colher de mel, não preciso de remédios para
dormir.