quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Porque hoje ainda é hoje. E amanhã, só amanhã.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Não dói, só vaza.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Entre parágrafos oscila na corda bamba do vento.

Um vaga lume escorreu pelo meu ombro e fez tec no colo como quem avisa. O bichinho preto recusa em acender sua luz por algum tempo. Sobressalto com a sua chegada, traz notícias de outrem. Canções como aves sucedem-se em ninhos de cobras. A lagarta mais feliz de todas nunca soube virar borboleta. As que puderam voar viram a outra rastejar longe, sem nunca poder sentir o ar. A liberdade vem em ondas. O sol queima as pernas e o vento gela as costas.

Continuei esperando resposta por horas, a luz continuava sem ascender. Como se todos os sinais tivessem se apagado das paredes e como se todos os homens tivessem emburrecido de vez, sentou. Cotovelos sobre a mesa, largada em um canto, o mormaço entrava pela porta aberta. Os sons dos pássaros e da água fervendo, invadiam seus poros.

Passou voando, foi tão rápido que não pudemos ver direito sua cor. Uma luz piscando a seu lado. Pensamos ter sido o vaga lume, mas ele havia se apagado. Confundi com uma barata, acho que quebrei a lampadazinha na sua bunda quando pisei. Ele saltou várias vezes, eu só queria que ele voltasse a piscar. Escondi-me atrás de uma mesa, espiei por cima dela, olhos úmidos, sobrancelhas enrugadas. Sentei a seu lado.

Seu último gesto, vez tec, deu uma pirueta no ar, caiu contra o solo. Recusou-se a dar sua última luz para aquela que quebrou sua lâmpada tão delicadamente protegida.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sssssssssssssssssssssilêncio.












Não parti com um fim marcado.




Sonhei com noites estreladas.
Acordei sob um banco de pedra.

Sinos.

Sente um arrepio
virar a esquina.

Sombra.

Secam roupas ao sol
pingos certeiros.

Sobra.

Sai sem dar um beijo de adeus
Não sabemos o que guarda

o outro lado da linha.
Silêncio.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não era exatamente esse caminho que pretendíamos seguir. Quando o momento se aproximava todos trancaram as respirações, e soluções que deveriam ser um alívio, foram mais uma tormenta. E as partidas são constantes, os sobressaltos, as incertezas. De repente gostaria de poder estar dentro de outras mentes e saber o que realmente desejam os corações, mas não estamos. Talvez quiséssemos um pouco mais de tempo para dizer o que sentimos, mas talvez não faça diferença. Hoje acordei antes do que desejava, mais rápido do que poderia esperar, sentindo mais agonia do que poderíamos prever. Há algum tempo que me pergunto o que é certo e o que é errado, e não consigo defini-los, e não sei se quero definir. Penso que não faz tanta diferença assim, que não tem tanta importância assim. E não se trata apenas de um julgamento universal, é algo bem próprio mesmo, bem particular. Não sei o que é particularmente correto ou não e não quero me importar. Amar ao próximo como a si mesmo, mas uma hora temos que escolher entre um ou outro, o que é mais justo? Escolhemos por outros algumas vezes até que descobrimos que o outro nunca optou por nós, e ainda assim dói optar por si. E ao final quando olharmos para trás, talvez seja possível fazer algum tipo de julgamento, mas espero pensar, apenas, que fiz o melhor que podia naquele instante.

É, a decisão não foi minha. Fugi e me escondi atrás de grades altas com seguranças à porta. Mas foi só dar uma espiadinha pela fresta e um dos guardiões se distrair e pronto. Estava repentinamente envolta pelo ar do lado de fora. De novo é o que diriam alguns, eu mesma talvez o dissesse. Mas não sabemos se uma situação se repete até que ela esteja concluída. Mas tudo parece terrivelmente igual, tudo é muito próximo do que já foi, é tudo muito similar. E sentada no chão de terra batida, apoio as mãos atrás das costas e olho assustada as árvores que me cercam. Suas copas são muito altas e distantes, seus troncos são finos, algumas folhas secas contornam um caminho que não sabemos exatamente aonde vai. As florestas são assim, este trecho é incrivelmente parecido com o anterior, mas não é o mesmo. Não podemos andar agora como se fosse o trecho passado, pois podemos ser surpreendidos por um novo buraco, ou uma curva diferente. Os passos de agora são mais firmes, pois com os caminhos antigos aprendemos a andar com maior facilidade sobre as pedras soltas, mas devemos esquecer as velhas rotas e recria-las de acordo com as novas necessidades.

Não era exatamente esse caminho que pretendíamos seguir. Talvez o amor seja menos expressado pelos que realmente amam, ou pelos que são muito medrosos, ou pelos dois. Ficamos esperando que alguém dê um passo para que possamos andar também. Eu diria assim, vá e depois veja o que acontece. Mas a beira do abismo é extremamente fria quando estamos sozinhos. O vento desce e sobe com força dobrada, é preciso segurar firme quando ficamos lá sem outro para ajudar. Por um tempo pensei não haver amor não correspondido, mas se fosse verdade eu teria que admitir que alguém mente. Pensei que amor nunca acabasse, mas mais uma vez teria que chamar alguém de mentiroso. Então, talvez, não passe de uma invenção para tornar a vida mais divertida. Ou talvez seja algo que surge sozinho, por nada e dá força ao que não teria força normalmente. Talvez seja idiotice ainda falar em amor. Dizem que falar dele implica quase imediatamente em ser brega. Alguns aconselham: por favor, não fale de amor, para falar dele fale de batatas, andorinhas ou peixes fora d'água. Pois bem eu poderia tentar mas não vou. Até porque não falo de amor, mas de caminhos. E dos caminhos que não escolhemos por esperar pelo amor. E dos caminhos que tomamos sem escolher conscientemente por nos deixarmos levar pelo amor, ou pela saudades.

Eu diria que os dois são tão grandes que podem, juntos ou separadamente, tomar conta de um corpo inteiro. E podem construir vários caminhos simultâneos, mas esse corpo, geralmente, só pode escolher um. E para falar a verdade amanhã posso pensar exatamente o oposto do que penso agora, ou meio o oposto. Amanhã posso estar na diagonal do que estou agora. Talvez não precise esperar até amanhã, posso precisar de apenas alguns segundos. Pode ser que agora mesmo não concorde mais com as primeiras linhas do texto, ou as do meio. Pode ser que agora já não concorde mais com o que acabo de dizer. Mas esse é o caminho que percorri hoje. Percorri levada por um amor tão vasto que dentro dele cabe tantos outros. Dentro dele cabe outros amores, e outros sentires. Talvez logo em seguida eu pegue um atalho, ou uma ponte que me leve a outro caminho. Talvez tropece. Provavelmente os caminhos seriam muito sem graça sem as coisas pelas quais não esperávamos. Se eu não sentisse mais dor, olharia para o céu e perguntaria se ainda estou viva. E não saberíamos que alegria é alegria, sem o seu oposto.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quando o telefone tocou a linha foi interrompida. E linearmente dividida a moça pensou se deveria levantar do gancho ou deixar que a espera passasse adiante. No adiantado da hora já não se pensa muito bem, e nem é por ser tarde. Foi no entardecer das línguas cansadas que ela ouviu o último sopro de uma árvore enrugada.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

As horas repetidas falaram de uma lembrança mais própria do que alheia. Dois pares de dois pares em um quarteto oitavo. Se perdido em tantas repetições, poderia se encontrar em um novo principio. A principio bastaria um novo começo, mas de fato era preciso um novo fim.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Voltou a respirar, depois de muito tempo presa na escuridão de um lugar ainda desconhecido ela pode ver um pouco de sol. Mas sabe que seus pés continuam acorrentados. As mãos livres permitem que faça algumas anotações importantes, e depois ela volta a ler. Lê para saber o que se passa consigo, ou o que se passou. Não sabe tanta coisa. Debruçou na janela e viu o movimento na calçada. Inclinou sempre mais, quando seus pés mal tocavam o chão, deixou-se cair e observou o teto estrelado por muito tempo. Pensou nas estrelinhas de plástico tão próximas e tão fora do alcance de suas mãos. Esticou mais os dedos, cogitou levantar-se, mas não podia mais. Precisaria ficar na mesma posição por muito tempo ainda, sentindo cada músculo, cada ligamento, cada novo pensamento. Mastigou suas ideias lentamente, saboreou, deglutiu, digeriu e vomitou. Vomitou cada uma de suas ideias lentamente, viu-as escorrer com carinho, arregalou os olhos para os espectadores. Sentiu suas pupilas mudarem de tamanho, a passagem do ar se estreitar, sentiu o peso sufocante em seu peito, sentiu o que não podia mais sentir. Pensou em partir para bem longe, agarrar-se ao rabo da primeira estrela cadente que passasse e ir para aonde ela a levasse. Pensou em berrar até que seu ar acabasse. Pensou em deixar de ser, pensou em nunca mais pensar, pensou tanto que pensou que fosse explodir.
Algo dentro dela explodiu e se espalhou por muitas partes. Ainda hoje ela se debruça o quanto consegue na janela procurando seus pedaços. Ela sempre volta a olhar com atenção em busca de suas partes. E ainda há momentos em que ela se pergunta se realmente quer encontrar. Às vezes ela pensa que deve mesmo ficar assim espalhada. Ela debruçou mais, até que seus pés não tocassem mais o chão. Sentindo o vento em seu rosto, ela abriu os braços e sentiu o frescor do oceano. Deixou que suas gotas escorressem e se misturassem ao mar. Os dois agora não se diferenciavam mais, e quem poderia separa-los? Sentiu-se tranquila por saber que a qualquer momento poderia escolher qualquer daquelas gotas e chamar de sua. Sentiu-se confortável por saber que poderia reencontra-las no lugar que lhe fosse mais conveniente. Sorriu e engoliu algumas verdades trazidas com o vento. Suspirou. Sentiu os cabelos alisarem sua face. Apertou os olhos com força, esqueceu que ainda precisava continuar.
Continuou escrevendo compulsivamente. Seu braço arde, fazia dias que escrevia, e se as folhas acabassem, se a tinta da caneta falhasse. Talvez isso fizesse com que ela parasse, talvez fosse um tormento. O vento soprou pela janela, levantou as cortinas e bagunçou suas anotações. Ela rolou pelo chão, viu os reflexos da cidade. Segurou na janela e levantou. Suas mãos escorregaram pela parede. Viu a bola de fogo surgir longe, fechou os olhos com força, tudo ardia. Sentiu o calor da luz sobre sua pele. Debruçou na janela, ficou completamente curvada para o lado de fora, sentiu a parede fria. Deixou escorrer tudo o que havia em si. Até deixar de ter. Virou clandestina moribunda, completamente destituída de suas posses, completamente vazia de outros seres. Buscou-se dentro da sua carcaça. Viu seu reflexo em uma poça de lama, sentiu seus dedos em um caco de vidro. Calou para sempre.
Sempre calada. Nas ruas ninguém sabia que era sua a voz que falava quando fechavam os olhos. Ela falava com uma parte sua que ia direto a uma parte deles e que era invisível aos olhos viciados. Excesso de luz, excesso de som, de cheiros, de vidas, de idas, de desejos, excesso de excessos. E em meio a tantos excedentes ela era apenas um detalhe desnecessário. Lhe telefonavam quando não havia coisa melhor a fazer. Pediam-lhe ajuda quando embotados. Descarregavam sobre ela sues restos. E ao fim de cada dia ela tinha um novo apanhado de informações. Por isso demorava para dormir, tantas vidas para organizar depois da sua. Ela debruçou na janela e os observou. De tanto olhar acabou se misturando. A ponta de seus pés descolaram do chão, até estar ela toda colada.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

E a cama afundou. O moço dormiu tanto que a cama afundou, virou uma conchinha e o engoliu. O moço agora faz parte da cama, talvez ele vire uma pérola. Não, dormindo ninguém vira pérola. Algumas conchas fabricam suas pérolas enquanto dormem. Mas o moço não era concha, era pedra. É ele fingiu ser uma pedra, enquanto dormia. O moço que dormia hibernava. O moço que dormia invernava, mas era verão. O moço dormindo invejava, mas não corria atrás do bonde. A sua cama concha se abria uma vez por dia para tomar sol. Semana passada o moço disse que amava a vizinha, mas a vizinha sabia que ele amava mesmo era sua concha. Colcha de retalhos sobre a grama e a vizinha acordava a noite toda. O moço, concha fechada, boca aberta, nariz empinado, saía rodando, e rodando feito vendaval levava o que via pela frente. Como comia aquele menino! É certo que depois reclamava estar gordo, mas não saía da sua concha... talvez pensasse estar virando uma pérola, mas estava virando mesmo um bolinho de carne. O moço brigava, lutava por nada, berrava e a vizinha até escutava. A vizinha já estava cansada de tanto chororô, a vizinha enfeitada foi a festa, e quem encontrou lá? A vizinha já estava irritada, mas ainda era borboleta sem asas. Acontece que sempre aparece um vaga lume no meio da noite, e a vizinha tentou seguir sua luz, o vaga lume pisca, e em um desses piscar a vizinha se perdeu. Mês passado o vizinho apertou a moça bem forte, ela sufocou. Levou dias para recuperar o fôlego. Ano passado o vizinho segurou a moça bem firme, ela escorregou feito gelatina. O tempo passou e o relógio ainda faz cuco a meia noite. A vizinha escorregou pela janela e ele nem percebeu, estava fechado na sua concha. A moça morreu e ele não viu, dormia há anos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ela sentou diante da grande máquina esperando que tudo vertesse de dentro de si com total autonomia. Mas seus dedos estavam em silêncio. A luz branca do céu entrava pela janela cansada de tanto enxergar. As cortinas estavam pesadas com o suor do dia.