quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Porque hoje ainda é hoje. E amanhã, só amanhã.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Não dói, só vaza.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Entre parágrafos oscila na corda bamba do vento.

Um vaga lume escorreu pelo meu ombro e fez tec no colo como quem avisa. O bichinho preto recusa em acender sua luz por algum tempo. Sobressalto com a sua chegada, traz notícias de outrem. Canções como aves sucedem-se em ninhos de cobras. A lagarta mais feliz de todas nunca soube virar borboleta. As que puderam voar viram a outra rastejar longe, sem nunca poder sentir o ar. A liberdade vem em ondas. O sol queima as pernas e o vento gela as costas.

Continuei esperando resposta por horas, a luz continuava sem ascender. Como se todos os sinais tivessem se apagado das paredes e como se todos os homens tivessem emburrecido de vez, sentou. Cotovelos sobre a mesa, largada em um canto, o mormaço entrava pela porta aberta. Os sons dos pássaros e da água fervendo, invadiam seus poros.

Passou voando, foi tão rápido que não pudemos ver direito sua cor. Uma luz piscando a seu lado. Pensamos ter sido o vaga lume, mas ele havia se apagado. Confundi com uma barata, acho que quebrei a lampadazinha na sua bunda quando pisei. Ele saltou várias vezes, eu só queria que ele voltasse a piscar. Escondi-me atrás de uma mesa, espiei por cima dela, olhos úmidos, sobrancelhas enrugadas. Sentei a seu lado.

Seu último gesto, vez tec, deu uma pirueta no ar, caiu contra o solo. Recusou-se a dar sua última luz para aquela que quebrou sua lâmpada tão delicadamente protegida.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sssssssssssssssssssssilêncio.












Não parti com um fim marcado.




Sonhei com noites estreladas.
Acordei sob um banco de pedra.

Sinos.

Sente um arrepio
virar a esquina.

Sombra.

Secam roupas ao sol
pingos certeiros.

Sobra.

Sai sem dar um beijo de adeus
Não sabemos o que guarda

o outro lado da linha.
Silêncio.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Não era exatamente esse caminho que pretendíamos seguir. Quando o momento se aproximava todos trancaram as respirações, e soluções que deveriam ser um alívio, foram mais uma tormenta. E as partidas são constantes, os sobressaltos, as incertezas. De repente gostaria de poder estar dentro de outras mentes e saber o que realmente desejam os corações, mas não estamos. Talvez quiséssemos um pouco mais de tempo para dizer o que sentimos, mas talvez não faça diferença. Hoje acordei antes do que desejava, mais rápido do que poderia esperar, sentindo mais agonia do que poderíamos prever. Há algum tempo que me pergunto o que é certo e o que é errado, e não consigo defini-los, e não sei se quero definir. Penso que não faz tanta diferença assim, que não tem tanta importância assim. E não se trata apenas de um julgamento universal, é algo bem próprio mesmo, bem particular. Não sei o que é particularmente correto ou não e não quero me importar. Amar ao próximo como a si mesmo, mas uma hora temos que escolher entre um ou outro, o que é mais justo? Escolhemos por outros algumas vezes até que descobrimos que o outro nunca optou por nós, e ainda assim dói optar por si. E ao final quando olharmos para trás, talvez seja possível fazer algum tipo de julgamento, mas espero pensar, apenas, que fiz o melhor que podia naquele instante.

É, a decisão não foi minha. Fugi e me escondi atrás de grades altas com seguranças à porta. Mas foi só dar uma espiadinha pela fresta e um dos guardiões se distrair e pronto. Estava repentinamente envolta pelo ar do lado de fora. De novo é o que diriam alguns, eu mesma talvez o dissesse. Mas não sabemos se uma situação se repete até que ela esteja concluída. Mas tudo parece terrivelmente igual, tudo é muito próximo do que já foi, é tudo muito similar. E sentada no chão de terra batida, apoio as mãos atrás das costas e olho assustada as árvores que me cercam. Suas copas são muito altas e distantes, seus troncos são finos, algumas folhas secas contornam um caminho que não sabemos exatamente aonde vai. As florestas são assim, este trecho é incrivelmente parecido com o anterior, mas não é o mesmo. Não podemos andar agora como se fosse o trecho passado, pois podemos ser surpreendidos por um novo buraco, ou uma curva diferente. Os passos de agora são mais firmes, pois com os caminhos antigos aprendemos a andar com maior facilidade sobre as pedras soltas, mas devemos esquecer as velhas rotas e recria-las de acordo com as novas necessidades.

Não era exatamente esse caminho que pretendíamos seguir. Talvez o amor seja menos expressado pelos que realmente amam, ou pelos que são muito medrosos, ou pelos dois. Ficamos esperando que alguém dê um passo para que possamos andar também. Eu diria assim, vá e depois veja o que acontece. Mas a beira do abismo é extremamente fria quando estamos sozinhos. O vento desce e sobe com força dobrada, é preciso segurar firme quando ficamos lá sem outro para ajudar. Por um tempo pensei não haver amor não correspondido, mas se fosse verdade eu teria que admitir que alguém mente. Pensei que amor nunca acabasse, mas mais uma vez teria que chamar alguém de mentiroso. Então, talvez, não passe de uma invenção para tornar a vida mais divertida. Ou talvez seja algo que surge sozinho, por nada e dá força ao que não teria força normalmente. Talvez seja idiotice ainda falar em amor. Dizem que falar dele implica quase imediatamente em ser brega. Alguns aconselham: por favor, não fale de amor, para falar dele fale de batatas, andorinhas ou peixes fora d'água. Pois bem eu poderia tentar mas não vou. Até porque não falo de amor, mas de caminhos. E dos caminhos que não escolhemos por esperar pelo amor. E dos caminhos que tomamos sem escolher conscientemente por nos deixarmos levar pelo amor, ou pela saudades.

Eu diria que os dois são tão grandes que podem, juntos ou separadamente, tomar conta de um corpo inteiro. E podem construir vários caminhos simultâneos, mas esse corpo, geralmente, só pode escolher um. E para falar a verdade amanhã posso pensar exatamente o oposto do que penso agora, ou meio o oposto. Amanhã posso estar na diagonal do que estou agora. Talvez não precise esperar até amanhã, posso precisar de apenas alguns segundos. Pode ser que agora mesmo não concorde mais com as primeiras linhas do texto, ou as do meio. Pode ser que agora já não concorde mais com o que acabo de dizer. Mas esse é o caminho que percorri hoje. Percorri levada por um amor tão vasto que dentro dele cabe tantos outros. Dentro dele cabe outros amores, e outros sentires. Talvez logo em seguida eu pegue um atalho, ou uma ponte que me leve a outro caminho. Talvez tropece. Provavelmente os caminhos seriam muito sem graça sem as coisas pelas quais não esperávamos. Se eu não sentisse mais dor, olharia para o céu e perguntaria se ainda estou viva. E não saberíamos que alegria é alegria, sem o seu oposto.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quando o telefone tocou a linha foi interrompida. E linearmente dividida a moça pensou se deveria levantar do gancho ou deixar que a espera passasse adiante. No adiantado da hora já não se pensa muito bem, e nem é por ser tarde. Foi no entardecer das línguas cansadas que ela ouviu o último sopro de uma árvore enrugada.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

As horas repetidas falaram de uma lembrança mais própria do que alheia. Dois pares de dois pares em um quarteto oitavo. Se perdido em tantas repetições, poderia se encontrar em um novo principio. A principio bastaria um novo começo, mas de fato era preciso um novo fim.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Voltou a respirar, depois de muito tempo presa na escuridão de um lugar ainda desconhecido ela pode ver um pouco de sol. Mas sabe que seus pés continuam acorrentados. As mãos livres permitem que faça algumas anotações importantes, e depois ela volta a ler. Lê para saber o que se passa consigo, ou o que se passou. Não sabe tanta coisa. Debruçou na janela e viu o movimento na calçada. Inclinou sempre mais, quando seus pés mal tocavam o chão, deixou-se cair e observou o teto estrelado por muito tempo. Pensou nas estrelinhas de plástico tão próximas e tão fora do alcance de suas mãos. Esticou mais os dedos, cogitou levantar-se, mas não podia mais. Precisaria ficar na mesma posição por muito tempo ainda, sentindo cada músculo, cada ligamento, cada novo pensamento. Mastigou suas ideias lentamente, saboreou, deglutiu, digeriu e vomitou. Vomitou cada uma de suas ideias lentamente, viu-as escorrer com carinho, arregalou os olhos para os espectadores. Sentiu suas pupilas mudarem de tamanho, a passagem do ar se estreitar, sentiu o peso sufocante em seu peito, sentiu o que não podia mais sentir. Pensou em partir para bem longe, agarrar-se ao rabo da primeira estrela cadente que passasse e ir para aonde ela a levasse. Pensou em berrar até que seu ar acabasse. Pensou em deixar de ser, pensou em nunca mais pensar, pensou tanto que pensou que fosse explodir.
Algo dentro dela explodiu e se espalhou por muitas partes. Ainda hoje ela se debruça o quanto consegue na janela procurando seus pedaços. Ela sempre volta a olhar com atenção em busca de suas partes. E ainda há momentos em que ela se pergunta se realmente quer encontrar. Às vezes ela pensa que deve mesmo ficar assim espalhada. Ela debruçou mais, até que seus pés não tocassem mais o chão. Sentindo o vento em seu rosto, ela abriu os braços e sentiu o frescor do oceano. Deixou que suas gotas escorressem e se misturassem ao mar. Os dois agora não se diferenciavam mais, e quem poderia separa-los? Sentiu-se tranquila por saber que a qualquer momento poderia escolher qualquer daquelas gotas e chamar de sua. Sentiu-se confortável por saber que poderia reencontra-las no lugar que lhe fosse mais conveniente. Sorriu e engoliu algumas verdades trazidas com o vento. Suspirou. Sentiu os cabelos alisarem sua face. Apertou os olhos com força, esqueceu que ainda precisava continuar.
Continuou escrevendo compulsivamente. Seu braço arde, fazia dias que escrevia, e se as folhas acabassem, se a tinta da caneta falhasse. Talvez isso fizesse com que ela parasse, talvez fosse um tormento. O vento soprou pela janela, levantou as cortinas e bagunçou suas anotações. Ela rolou pelo chão, viu os reflexos da cidade. Segurou na janela e levantou. Suas mãos escorregaram pela parede. Viu a bola de fogo surgir longe, fechou os olhos com força, tudo ardia. Sentiu o calor da luz sobre sua pele. Debruçou na janela, ficou completamente curvada para o lado de fora, sentiu a parede fria. Deixou escorrer tudo o que havia em si. Até deixar de ter. Virou clandestina moribunda, completamente destituída de suas posses, completamente vazia de outros seres. Buscou-se dentro da sua carcaça. Viu seu reflexo em uma poça de lama, sentiu seus dedos em um caco de vidro. Calou para sempre.
Sempre calada. Nas ruas ninguém sabia que era sua a voz que falava quando fechavam os olhos. Ela falava com uma parte sua que ia direto a uma parte deles e que era invisível aos olhos viciados. Excesso de luz, excesso de som, de cheiros, de vidas, de idas, de desejos, excesso de excessos. E em meio a tantos excedentes ela era apenas um detalhe desnecessário. Lhe telefonavam quando não havia coisa melhor a fazer. Pediam-lhe ajuda quando embotados. Descarregavam sobre ela sues restos. E ao fim de cada dia ela tinha um novo apanhado de informações. Por isso demorava para dormir, tantas vidas para organizar depois da sua. Ela debruçou na janela e os observou. De tanto olhar acabou se misturando. A ponta de seus pés descolaram do chão, até estar ela toda colada.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

E a cama afundou. O moço dormiu tanto que a cama afundou, virou uma conchinha e o engoliu. O moço agora faz parte da cama, talvez ele vire uma pérola. Não, dormindo ninguém vira pérola. Algumas conchas fabricam suas pérolas enquanto dormem. Mas o moço não era concha, era pedra. É ele fingiu ser uma pedra, enquanto dormia. O moço que dormia hibernava. O moço que dormia invernava, mas era verão. O moço dormindo invejava, mas não corria atrás do bonde. A sua cama concha se abria uma vez por dia para tomar sol. Semana passada o moço disse que amava a vizinha, mas a vizinha sabia que ele amava mesmo era sua concha. Colcha de retalhos sobre a grama e a vizinha acordava a noite toda. O moço, concha fechada, boca aberta, nariz empinado, saía rodando, e rodando feito vendaval levava o que via pela frente. Como comia aquele menino! É certo que depois reclamava estar gordo, mas não saía da sua concha... talvez pensasse estar virando uma pérola, mas estava virando mesmo um bolinho de carne. O moço brigava, lutava por nada, berrava e a vizinha até escutava. A vizinha já estava cansada de tanto chororô, a vizinha enfeitada foi a festa, e quem encontrou lá? A vizinha já estava irritada, mas ainda era borboleta sem asas. Acontece que sempre aparece um vaga lume no meio da noite, e a vizinha tentou seguir sua luz, o vaga lume pisca, e em um desses piscar a vizinha se perdeu. Mês passado o vizinho apertou a moça bem forte, ela sufocou. Levou dias para recuperar o fôlego. Ano passado o vizinho segurou a moça bem firme, ela escorregou feito gelatina. O tempo passou e o relógio ainda faz cuco a meia noite. A vizinha escorregou pela janela e ele nem percebeu, estava fechado na sua concha. A moça morreu e ele não viu, dormia há anos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ela sentou diante da grande máquina esperando que tudo vertesse de dentro de si com total autonomia. Mas seus dedos estavam em silêncio. A luz branca do céu entrava pela janela cansada de tanto enxergar. As cortinas estavam pesadas com o suor do dia.

sábado, 13 de novembro de 2010

De repente sentamos diante dos fatos, tentamos descobrir as verdades não ditas, e diante de todos trememos incontrolavelmete. Não sabemos que emoções tentam sair. É como se sentíssemos o frio de um gelo que escapa das nossas almas e congela os sentidos. Por horas ficamos sentados sem saber o que dizer. Talvez seja hora de dizer: adeus.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

E o dia então acordou devagar, roupas no sol, quis ganhar a aposta. Estava tão indisposta, correu na direção oposta. Escondeu para não ver, lado de trás do espelho. Espelhada em si mesma, cansou de rever seus atos. Protagonista da sua própria história, por instantes, pareceu coadjuvante. Rasgou o véu que cobria sua face, por instantes ficou cega. Secou as poças com o olhar, riu com as folhas a farfalhar. Berrou que não é mais quem foi, descobriu estar muda. Muda cresceu, tornou-se planta adulta. Não sabe ser o que se tornou, quis ser o que ainda não sabe. Caiu em um ninho de cobras, morreu de desastre ainda na infância.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Um poema perdido no espaço, criou raízes no universo. Quis pousar em um canto seguro, não sabe que sempre chove novamente. Cresceu forte, mas continuava morno por dentro. Nada quis dizer, mas aprendeu que nem sempre é possível se calar. Poema rouco de tanto tentar, tanto pensou que ficou louco. Quis escorrer pelas paredes mornas, mas o dia estava frio demais. Este poema virou música, mas não sabia escutar. Correu como criança assustada, mas se achou velho para tentar. Era cheio de sabedoria o poema, mas fraco para suportar. Subiu ao céu, contou sobre as nuvens, viu as chuvas, sonhou com a lua. Foi roubado, foi assaltante, foi piedade, foi indiferente. Deixou de ser cada coisa, passou a ser tudo. Tudo tanto quanto nada.

Vazio, o poema, voltou para casa, sentou nas escadas e esperou as horas passarem. Quando esgotou, pensou em partir. Tantas falsas verdades ouviu que não sabia mais quem era, foi tantos que deixou de ser. Não sendo pode voar. Precisava decidir se era folha ao vento, ou quadro na parede. Troféu vazio de sentido não quis ser, mas quis um rumo para chamar de seu. Rodopiou, ficou tonto, o poema, não era dança, era vertigem. Quando acreditou ser queda livre, descobriu ser trampolim. Quando não havia mais saída, descobriu ser seu próprio forte. Reorganizou as palavras, criou uma nova frase.

Cansado do que passou a ser, começou a se despedir dos excedentes. Descobriu que as felicidades momentâneas, talvez, não valessem a tristeza permanente. Percebeu que se ocupando das pequenas alegrias deixava passar as grandes. Não soube o que fazer e naquela noite foi dormir mudo.

sábado, 25 de setembro de 2010

A janela despencou do décimo primeiro andar. Caiu lenta até atingir o solo confortavelmente. Deixou passar alguns transeuntes desligados, se fez indiferente para outros apressados. Talvez tenha perdido suas botas durante a queda, talvez tenha perdido no impacto. Quis chorar mas preferiu novas aventuras. Desventuras insignificantes, grandes impactos. Como quis ser pedra. Aceitou tudo resignada, virou de costas e caiu lentamente, enquanto pensava no que havia passado. Não pensou no que estava por vir, fez alguns planos para os anos seguintes. Lixou as unhas enquanto estava no ar, rodopiou. Não pediu mais que lhe devolvessem o que era seu. Pensou que certamente nem queria mais o que supostamente teve. Decidiu que todo o vazio era seu, decretou que as posses passassem a ser todas dos imbecis.

Afinal de contas, eles precisavam dizer meu, não ela, não mais. Abriu os braços, assim ficaria mais confortável. Sentiu-se feliz por deitar finalmente. Nem percebeu os olhares perplexos das pessoas olhando seus cacos espalhados. Achou belo, gostou dos reflexos produzidos, brilhou com eles. Alguns se apavoraram, outros quiseram compreender. Mas ninguém poderia de fato. Nenhuma das ações pretendidas era para ajuda-la, mas para deleite próprio. O prazer de descobrir o que se passa com o outro. Ela continuou deitada.

Quando ficou suficientemente cansada, levantou. Levantou e pensou em voltar pelo mesmo caminho que veio, mas preferiu não pegar o atalho da esquerda. Ignorou as opiniões, fechou os olhos quando o sol a cegou. Repentinamente percebeu que a visão nunca lhe fez falta, e fechou os olhos para sempre. Fechou também a boca e ficou surda. Não sentiu mais, rumou folha ao vento. Veneno risonho andou por veias estranhas.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O silencioso murmúrio de uma velha cansada vazou pela janela de madeira semi apodrecida. Sua voz já cansada pelos anos de uso pareceu firme de repente. Por uns instantes sentimos um tom de maldade, mas antes de julga-la pudemos perceber o que era. Não foi só o tempo que passou para aquela mulher, as pessoas passaram. O tempo puxou o tapete algumas vezes, ela se deixou escorregar por caminhos tortuosos. E ao olhar para trás pensou que talvez não fosse possível chegar ali sem eles. Olhou para seus pés inchados, sentiu-se tonta, talvez pelo cheiro de incenso que subia da janela vizinha, talvez fosse o acumulo de anos bebidos. Lembrou-se dos dentes cansados que a abandonaram, e da gengiva que já lhe dava mais problemas do que ajudas.

Apoiou a mão no peitoril da janela e olhou lentamente para fora, por entre as frestas de madeira viu que ainda era dia. Abriu a janela com um leve empurrar. Suas agilidade e força também se foram. Ao ver as pombas, que pousaram para pedir mais uma vez suas migalhas, a velha sorriu. Aquelas eram suas visitantes mais fiéis, talvez as únicas que se lembrassem dela todos os dias. Levantou-se com dificuldade, buscou apoio no balcão, esforçou-se para pegar o banquete separado cuidadosamente em um saco plástico. Voltou para a janela, caiu.

As pombas voaram solenes, chegaram perto da velha, roubaram o seu pacote. Ela sorriu, meio de lado, mais uma vez. Deu mais um suspiro de desaprovação ao cachorro da vizinha que latia para suas amigas. Rodopiou pela primeira vez em anos, cantou como nunca antes fora capaz. Encantou-se com o que pode ver de tão alto, fez alguns mergulhos e por fim, deitou sobre o grande algodão que anunciava seu nome em letras luminosas. Sentindo-se confortável como há muito não sentia, dormiu enquanto ouvia a distante melodia dos homens trajando branco.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

No alto daquele morro, tão alto que não se via nada além do céu, estava sentada aquela moça, envolta por suas vestes brancas. Longos fios ondulavam com o vento, serpenteando com calma doçura. Nos aproximamos e pudemos ver seus olhos fechados, nenhum dos músculos que pudéssemos ver se moviam, e duvidamos que algum outro pudesse ainda viver, não fosse o leve movimento em seu peito. Mãos sobre os joelhos, a moça esqueceu seu passado, esqueceu também seu futuro e seu presente. Esqueceu quem era e quem poderia ser, esqueceu quem foi você e quem sou eu. Esvaziou-se a moça, tudo nela se calou.

Todos os dias ela retornou ao mesmo ponto. Não imaginamos a tempestade que se armava sob o céu sereno. Não suspeitamos que a calma construída teve que perdoar o imperdoável, e amar o repugnante. Não imaginamos que seus passos lentos não eram por calma, mas por medo de chegar. Não quisemos ver que seu último refúgio não era apenas o alto da montanha, mas também a beira do precipício. Não suspeitamos da dor que fez aquela moça acordar nos últimos dias, nem quisemos saber da solidão que a fez adormecer. Preferimos ficar com a imagem plácida que tivemos de dentro dos nossos casulos. Preferimos receber sua bênção todos os dias, como se ela não precisasse de ar.

Então um dia o Sol raiou e a moça não estava mais lá, não havia sinal algum da sua passagem, não ouvimos seu nome ou seu sussurro. Ninguém comentou o que viu, ninguém ousou levantar o olhar. Mas parece que todos sentiram o mesmo aperto, e foram todos igualmente fracos para perguntar o que havia acontecido. Fomos todos suficientemente egoístas para pensarmos na falta que sentimos, mas nenhum de nós pode pensar no pavor que levou a moça.
Não foi por opção que despenquei do penhasco, não foi por querer que segurei em você. Pode soltar agora, bater as próprias asas não é tão assustador assim. Aquele antigo vaso de porcelana quebrou, e agora por mais que chore diante dos cacos as cicatrizes nunca sumirão.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Depois de ver aquele rio escorrer, restou apenas o ir e vir de uma folha sem ar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ficar acordado enquanto todos dormem, e querer dormir quando todos acordam. Ficar parado quando restar apenas a fala, até que por fim acabe o som, e reste um turbilhão ascendente que não sabemos de onde vem e para aonde vai. Quando estiver completamente envolto, não lembrarei dos dias que morreram, mas lembrarei da falta que alguns fizeram. O silêncio interrompido por um fim, deixa as suas dúvidas e leva as minhas. Pensei que eles tivessem esquecido meu nome.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O silêncio orquestral de um dia entardecido.
O inesgotável cansaço de uma mente embrutecida.
O memorável esquecimento de um corpo envelhecido.
O calculo das incontáveis noites encantadas.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Aproxima-se o fim, e quanto mais ele sorri para mim, mais rápido corro para a porta de saída. O Sol raiou feliz nos últimos dias, ele ignorou tantos passados, vislumbrou tantos futuros. E o que será o fruto da árvore caída. Morta tornou-se adubo, esconderijo virou esqueleto, e agora, ou nos jogamos na correnteza ou nos juntamos aos restos.
Foi numa hora dessas que surgiu aquele campo de rosas multicoloridas, eu poderia ter escolhido uma ou duas para minha casa, preferi ficar com todas, no meu olhar, e só meu. Larguei elas lá e pude contar por gerações. Corri de braços abertos, senti alguns espinhos nas canelas, deitei e pude ver a lua surgir, as estrelas, as nuvens andando suaves. Pude ouvir os últimos pássaros se refugiarem, e quando as cavalgadas ficaram mais fortes, eu já não estava mais lá. A joaninha solitária voou e quando ele chegou, o silêncio esperava. Aquela corrida no contra fluxo, e antes que qualquer um visse, era rainha de paus.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Reviravolta, um caracol sobe a vidraça.
Vidrada vejo seus movimentos, movimento.
Perco a cabeça, rolo caracol.
Fico tonta, caio na lagoa
Numa boa, chame a patroa.
Subo a janela, caracol observa
Faço uma reserva, restaurante para dois
Caracóis em conserva
Não conte para Dona Josefa,
vou estar em Maracutaia.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quando eu estiver de volta, terei perdido a conta de quantas vezes fiquei sem ar. Quando estiver bem triste e cansada, desistirei de acordar, e então, não dormirei mais. E quando tiver deixado de dormir, não precisarei mais acordar. Estando eternamente em minha própria companhia, poderei dizer aos idiotas que seu teatro não os tornou menos medíocres ou infelizes.

Quando eu estiver de volta, não ligarei para trocarmos algumas palavras. Subindo o caminho íngrime e solitário, olharei apenas para as pedras que podem me dar apoio, observarei o inço que sobrevive por ali, flores delicadas e intrusas. A falsidade é tão natural quanto a morte.

Quando estiver bem cansada não dormirei mais, não precisarei acordar.

domingo, 15 de agosto de 2010

Ex_tudo é nada.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Gotas de chuva no chão, raio de sol no guarda roupas.
Sexta feira 13, encontro marcado
Rua Benvindo Valente.
Botas de cano alto,
mangas curtas para sair,
agasalho para voltar.
Vou estar onde quiser,
se não estiver
noite de lua cheia.

sábado, 31 de julho de 2010

Mim é uma coisa diferente.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Bela moça de amarelo desce a rua, ruma para onde? Dia claro bela moça amarela. Pede ajuda ao moço que passa, almoço. Levanta, bate a poeira, saia rasgada. Saio rasgada, molhada, de uma olhada. Dia chuvoso, guarda chuva amarelo. Bela moça sob a nuvem. Bela nuvem sob a moça. Sobe a moça. Sabia moça.

domingo, 25 de julho de 2010

Texto em trânsito

O que é o tempo,
tão temporal e tão transitório.
Se for atemporal: que o tempo dure;
se for temporal: fecha a janela.
Se ganhar a corrida: bom tempo;
se chegar depois: seu tempo.
Se for Maria: o tempo varia;
se for Anacleto: tempo aberto.
O relógio para: troco a pilha;
não vejo: fico perdida.
Subo a rua: tempo bom;
desço a rua: enxurrada.
Se ficar encalhada: compre uma calha
dez_em_calha.

Tempo tão vagaroso: corre veloz.
Tempo tão calmo: se agita e cresce.
Pego a tampa: tampo o tempo,
explode, pipoca.
Tampo o nariz: tempo para;
abro a boca: tempo voa.

Nas asas de uma andorinha: tempo voa.
Engarrafado: tempo para.
Se for ter tempo: tempo terei;
se esquecer: tempo perderei.
Tempo nos galhos: saudação;
tempo raiz: infinito.
Janelas lavadas: tempo ruim.
O tempo todo: muita coisa.
Sem tempo,
cem tempo,
baião de dois.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A urgência é uma distração.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Não é porque está vazio que não está cheio.

domingo, 18 de julho de 2010

Surgiu em meio a penumbra o rosto de um homem grisalho, rugas, poucos fios de cabelo espantados. Poucos dentes afastados e velhos. Boca aberta, mandíbula deslocada, língua para fora. Pude sentir na minha boca, qualquer coisa marrenta, pegajosa. Minha mandíbula se deslocou e minha língua se desenrolou. Asco feliz. Foi o nojo que fez movimentar o maxilar, provocando a sensação de salivação nas mandíbulas. Aquele homem parecia olhar de forma jocosa. Em meio a chuva da noite, ele abriu os braços, olhou para cima, e mostrou a língua para o céu. O ônibus chegou.

Que gesto o daquele homem tão insensato. Poderia dizer que se perdeu, se não fosse a certeza de onde está. Poderia dizer que chamou os anjos a sua companhia. Poderia cantar cantigas de roda e girar e girar loucamente, como se amanhã não fosse mais ter água para beber. Poderia dizer que se perdeu, não fosse a certeza de quem não é. Aquele homem poderia correr léguas, não fosse a vontade de girar.

Permaneceu ajoelhado no meio da neblina lilás do entardecer, esqueceu-se que já era noite. Os lobos varreram a cidade, o apito do trem ecoou nos ouvidos do velho. Seus poucos fios de cabelo tremeram de contentamento, enquanto eu, quieta, sentia medo do seu riso. Homem feliz, sem saber que deveria chorar. Permaneceu com os braços abertos olhando a chuva.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Em uma janela, entre tantas outras, vi Alice passar. Parede branca, universo preto. Alice, renda branca. Inclina para frente, braços para trás, busca o equilíbrio. Ponte, adivinho. Ponte, trapiche, trampolim para o infinito. Alice, copo, mesa redonda. Toalha, renda em trapos. Não me rendo, mesa em trapos. Mesmo e trapos, não me rendo. Me rendo inteira, remendo, mulher em trapos. Trago. Trago o copo, trago a vida. Embriagada, cuspo o último gole. Custo a entender. Deito na cadeira, de volta ao bar. Dou voltas no bar, o bar da voltas em mim. Giro, quem gira? Quem diria!

sábado, 3 de julho de 2010

Dia de festa, cuidado com a aresta. Espia pela fresta.

domingo, 27 de junho de 2010

Três meses atrás, algo me acordou no meio da madrugada, era eu ligando para mim mesma, dia 29/3 - 2:43:

Acordo, meio da noite, banheiro. Cabeça tonta. As poesias formuladas nos sonhos, todas, rodando dentro dela. Ele me olha de longe, no olhar a cumplicidade de quem conversou por horas. Colega de muitas poesias. Ela me vê, assusta, não reconhece. Ainda me confundo com a poeira do velho relacionamento. Ela vê, assusta, a poeira ainda se confunde com meus cabelos. Apoio no braço, assusto. A poeira ainda engrossa meus cabelos, sinto ásperos. Limpa, vassoura, trabalho. Um emaranhado de poeira no chão. Linda imagem, que poesia. Linda imagem, que fotografia. Pegam a pá, antes que eu pegue a máquina. Conversa longa, vida convertida em poesia. Conversa longa, prosa. Levanto, bato a poeira. Corro, me fogem as criações noturnas. Barriga ronca, relógio tic-tac, geladeira. Esse é o silêncio da noite. Luz amarela, fraca. Carro ao longe, raro. Caneta riscando o papel, faz "tac" quando pontua. Seu riscar dita o ritmo. Embala os sonos. Bala somos. Balsomos, bálsamos. Em bálsamos. Embalamos. Os sons somos.

sábado, 26 de junho de 2010

Tão quente quanto um floquinho de neve. Tão presente quanto o esqueleto de uma folha, esquecida. Aquecida pela lua, vapor, tua nuvem. Não venha distrair-me, tão logo estarei de volta. Volta completa, tu perdida. Esquerda, direita, dislexia. Diz axila, sou vácuo.
Luas redondas em céus cabelos.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Você Passivo, eu Pacífico, você passa eu oceano.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

E quando eu puder chorar novamente, minhas lágrimas já não congelarão com o frio que vaza de ti.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Mal humor é um estado passageiro. Passageiro no ônibus. Estado país. Cada qual no seu lugar.

domingo, 13 de junho de 2010

Tropecei e despenquei do abismo. Abismado um duende saiu do seu ninho, para quedas aberto perguntou pelo meu. Cabelos no rosto, voz embargada, tentei falar, minha saia. Saia! Ensaiou a partida, não aguentou a distância. Escorrendo pelo ar, pensei em parar, pediram por um par, mandei se calar. Calçar meias antes de partir, par_tir. Parti, colei invertido. Verteram palavras do solo. Caí sobre elas, engoli algumas, vocabulário enriquecido. Esquecido o ocorrido, saí pela tangente, bati os "jotas" que ficaram enGatados, e os "ges" com muito Jeitinho. O duende me olhou assustado, correu para outro estado. Se agora calmo ele pode pensar, eu vou passar por aqui e entrar ali.

sábado, 12 de junho de 2010

Hei, Maria, viu aquela avezinha? Heiiii cadê aquele passarinho preto? Hei ele fugiu por onde? É assim agora então? Alguém viu aquele ratinho mal cheiroso? Sinto o seu cheiro podre e não consigo ver, estará ele se escondendo?! Aaaah mas então só pode ser isso, não é? E aquele rapaz sentou em um canto, se escondeu atrás das próprias pernas, e essa já é outra história. Agora começa um novo período e todos estão sabendo disso. Dito isso, o que digo eu? Vi aquela avezinha, depois não vi mais, terá sido um sonho, ou é agora um pesadelo? E sendo a sua vida real, a minha vida imaginária, quem é que decide? Você se prendeu a mim ou você me prendeu, ou você me perdeu? Foi tudo isso junto. A prisão é o lugar onde mais se deseja a fuga. E é na liberdade que mais se deseja perder.
Qualquer coisa, entrando de dentro para fora, saindo de fora para dentro. Suas invencionices caíram na mesmice, e a mesmice se rendeu as invencionices de um qualquer. Quer ver, ou_vir?
Ou_vi um peixe nadar, e que coisa estranha, pensei estar seca, enquanto inunda, imunda.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Como é estranho, de repente estar de volta a esse mundo próprio, ainda assim minha criação não me estranha, mesmo eu não me reconhecendo. Espero que todas as angustias continuem sendo sublimadas e como árvores, passam correndo por essa minha estrada. Entrada, entre na madrugada. Me de a mão criança inquieta, lavo meus cabelos com suco de laranja, limpo suas mãos com algodão doce. Junto-me a você, entre esses livros na prateleira, agasalho comprido. Cumprindo nossas próprias ordens, somos sonos sons desordens.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Não deixe que as lágrimas congelem com o vento que sopra aquela vampira pegajosa. Desviei mil fantasmas e quando cheguei pertinho da porta de saída um porco espinho agarrou no meu pé.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Essa manhã caí em um velho buraco, quando me aproximava do fim, avistei aquela lama fedorenta e pegajosa. Descobri que aquelas paredes não são mais minhas, os cuidados que tive com manutenção foram jogados fora, e tudo virou um lixo podre e fedido. Essa palavra incomoda? Fedor, fedido, fedorento? Engraçado como as pessoas tampam o nariz para o que vem de dentro, ficam reclamando da podridão do lado de fora enquanto exalam sua própria putrefação.

domingo, 30 de maio de 2010

Terrina de terra, cerâmica. Será na terra macia, terrina enterrada. Levo a terrina a mesa do teu banquete, minhocas te servirão bem.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Nessa decadência ascendente voo a qualquer lugar. De cadência quem entende é você.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Perco o folego, me de uma ideia medeia, diga dica.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Novas linguagens, velhas linhagens.

domingo, 9 de maio de 2010

Vi aquele insetinho voando rápido sob a luz do poste, como se escapasse dos pingos de chuva. Aqueles pingos velozes como setas, caiam no chão e ascendendo se espalhavam em todas as direções. Dirigi veloz, meus olhos atentos foram e voltaram. Roda gigante no céu claro, mel escuro.

Tinha uma chave em cima da mesa, sob ela pano azul estrelado, flutuei por entre seus dedos, afrouxaste a mão. Raiou o meu sol, pediste perdão. Seu berro foi ouvido a distância, negaste a instância. Distancia, diz tanto. Disfarce, dez faces, des_faça, farsa. Faca cortando seu, abelha colhendo meu.

sábado, 8 de maio de 2010

Cinzenta como o dia. Sim, não, aperta a minha mão.
Enquanto eu ando a chuva cobre o chão com poças refletindo o cinza para todas as superfícies. Visto novamente um casaco largo e minhas botinas cansadas. Pálpebras fortes se sustentam para não encobrir detalhes importantes, ouvidos distraídos, passos firmes. Vou repetir o que me foi dito: isso não teve tanta importância assim. Pois bem, porque te importas tanto então?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Se você puder interpretar o meu silêncio teremos aprendido a falar. Se você for inteiro quando eu estiver ausente e ainda assim sentirmos saudades, estaremos prontos para ser dois. Se não nos conhecemos e temos saudades, é porque estamos sentindo nossas almas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ontem a noite voltando para casa passei onde ficava um bar, um boteco velho e sujo. Pensei nos que frequentavam e perderam o amigo que foi embora, aquele que não só frequentava o mesmo lugar mas também dava sentido a ele. Então pensei em mim e nos outros. Às vezes perdemos alguma coisa, ela estava ali, ao alcance de todos, mas passava despercebida, como aquele bar que embora estivesse no centro, onde todos passam o tempo todo, nunca era notado. Era o mundo invisível de seus frequentadores, era só deles. Como ficam os que perderam? O que sentem quando veem sua história partir? Como nós preenchemos as lacunas, como trocamos com aparente facilidade uma coisa por outra. E quando andamos distraídos pela rua, vemos o vazio onde costumava ficar aquele bar. Então o silêncio da sua inexistência é mais eloquente do que sua presença luminosa por anos. A sua ausência berra o passado. O que se faz quando um melhor amigo vai para longe, quando ele se torna um recorte no peito, quando passa a ser um lugar vazio na mesa, uma garrafa a menos, uma válvula de escape entupida, uma lágrima que rola até pingar, a mão que não estende o lenço, uma gotinha de realidade que passa para o virtual.

Aquele mundo tão importante, tão especial, some de uma hora para a outra... puft! Foi-se, e ninguém fica sabendo o quanto importou, o mundo ignora aquele nosso mundo invisível, e talvez nem percebam que há um novo espaço vazio no seu caminho, talvez percebam aquelas tábuas vermelhas e se perguntem quando surgiram, ou fiquem contentes com o desaparecimento daquela construção horrorosa. Mas todos nós quando passamos por ali, ou eu passo por uma rua próxima e penso, "acho que ficava por aqui", olho aquelas tábuas e me pergunto como é que desapareceu. Lembro vagamente de um comentário triste ao qual não dei atenção.

Só nós sabemos, e todos nós quando passamos por ali, nos unimos num sentimento mudo, uma emoção que nos une e nos reúne por alguns instantes. Por um segundo estamos novamente juntos no invisível, e com um olhar somos cúmplices. Ou talvez seja só eu. Talvez seja eu o sentimental.

Talvez o mundo todo não se importe, talvez ele já tenha esquecido o nosso invisível, e como lembra-los se ele é assim também indizível? E se todos jogam a história no lixo, como uma sucata velha que ocupa um espaço precioso. Se for assim, estarei só, novamente, passando por uma rua próxima, silenciada pela noite, iluminada pela luz amarela dos postes. Verei as tábuas duas quadras para lá, uma pessoa que passa distraída, um carro perdido, um ónibus cansado, e já estou em outra rua, deixo uma lágrima silenciosa rolar e congelar. Me vejo diante daquela esquina, eu e as tábuas, velando as suas lembranças e as nossas esperanças. Somos crianças. Improviso meu palco, danço com algumas estrelas que ousaram brilhar. Orvalho nos cabelos, a lua no chão, o céu no meu véu. Essa é a nossa homenagem muda. Esse é meu adeus solitário. É o meu adeus para você. Ao meu invisível sempre volto, guardo ele nesse bloquinho, não para quem quiser fazer dele seu, mas para quem quiser construir o nosso.

Faço uma reverência, vejo a praça e parto. Parto.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Notas em restos de papel
Notas? Sou resto de papel
Veste capa em dia de chuva
Vês-te? Na capa em dia de chuva
Na capa, acaba, notas?
Notas na capa
notas no bolso
dinheiro lembranças
Lembranças em notas de papel
circulam, pulam, caem em uma poça
Possa ser bom, poça lama pão
Caminho entre possas
caio em poças
me perco em deixas
te encontro em partes
Partes

domingo, 2 de maio de 2010

Se um abismo abrir em baixo dos meus pés, posso cair eternamente ou aprender a voar. Se uma árvore crescer sob meus pés, então posso ter vertigens ou apreciar a nova vista. Se o mundo ficar muito sujo, vassoura e água fria. Se ficar fria, casaco de lã!

sábado, 1 de maio de 2010

Se eu esquecer que te encontrei, posso me encontrar em uma linha qualquer. Se perder a linha, posso ser qualquer. Se sou qualquer posso escolher.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Não espere por mim, perdi o ultimo bonde, estou presa e tenho medo do mar. Aprendi a nadar mas ainda não sei voar. Cresci e tenho vertigem quando olho para o chão, se olho para o alto fico tonta, se não olho: escuridão.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Entre guizos e risos, aplausos e pausas. Chão vermelho, sapateado. Luz, fogo, fogão, sopa. Vento, redemoinho, roda moinho.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Eu estava andando entre as poças, sem pensar no transito ou na transitoriedade. Foi quando me vi transitória. Transitando entre pingos, pessoas, pneus e galochas. Senti o galope dentro do peito e fui refém dos truques da minha mente. Mentiu para mim, escondi o que procurava. Derramei rios com desculpas, sem motivos. Água salgada pingando do queixo tremulento. Bebi do meu próprio refresco, revelei onde escondi e não encontrei a desculpa. Sem culpa, sem perdão. Esculpi um futuro lentamente, a lente embaçada, sopro de um anjo.

sábado, 24 de abril de 2010

Orifício aberto, pouca luz, sem imagens. Cada um tem seu tempo, o nosso é de chuva.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pausa produtiva, não produção pausada.

domingo, 18 de abril de 2010

Quis voar sobre o mar apesar do peso e das ondas altas. A cidade anoitecendo ao longe, a lua crescendo, as primeiras estrelas. Deixei que ouvissem meus desejos, segurei uma ave qualquer e voei.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Meio dia: sentar na janela, vigésimo andar, avenida.
Meio do dia: asfalto, desabafo, afago.
Meio da noite: poltrona, abafo, afoga.
Meia noite: areia nos olhos, pinheiros estrelados.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Aspas e parenteses se abriram e fecharam ao longo do dia. Dois pontos, virgulas, elipse. Ele pisa, eu assobio.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Foi por acaso, vesti meu casaco, olhei para seus cascos e me vi em cacos. Tasco tais cacos na parede, branca, vermelha, rosada, corada. Decorada, Edelweiss, esquecida. Esqueça, aqueça, não a cabeça, o... Porão, portão, metal, mental, verbal, varal, cordel. Varei a noite montando cordéis mágicos, tropecei na varinha, feitiço por acaso. Feito isso por acaso, cordel de casacos mágicos, paredes rabiscadas, cacos de cera.

domingo, 11 de abril de 2010

O vento soprou forte essa tarde e levou minhas penas.

sábado, 10 de abril de 2010

E sabe o que acontece com o patinho feio quando vira cisne? Ele voa, ele é dono de si, seu coração bate com força, ele tem o domínio e corta o fio que segurava aquela pipa. Mas o patinho não enxerga o cisne assim, tão facilmente, ele precisa de outros cisnes para se comparar e descobrir que só estava convivendo com a espécie errada. O que difere um patinho feio de um cisne, são os que estão ao seu redor. E então ele não deixa mais de ser o que se tornou, quando esquece, precisa que seus amigos lembrem ele, precisa voltar ao lago e ver seu reflexo novamente. Tenho voltado ao lago várias vezes, o número de cisnes tem aumentado, os patos se afastam cada vez mais.

Daí lembrei da bruxa aquela, da mocinha, de pele branquinha e cabelos escuros... como é? A branca de neve... a bruxa tinha um espelho. E esse deve ser o mal de alguns, o espelho, o que ele diz? Nada, fala o que você pedir, e do que vale esse reflexo besta? Nada. É um monte de nada refletido num grande nada. Volte ao lago, olhe seu reflexo lá. É ele quem fala, é ele quem revela. Já percebeu a diferença? Qual a profundidade de um lago, qual a espessura de um espelho? É isso, a verdade está na profundidade, é da profundidade que tudo se revela. E enquanto continuar olhando para esse reflexo raso, vai continuar andando em linha reta.

Demonstrei uma linha de conduta que ia, vinha, fazia curvas e voltas. Alguém achou um assombro, mas então não é isso? Passar a vida em linha reta mostra o que? Somos então um daqueles cavalos, que usa tapadeiras no rosto, para que veja unicamente o que vem a sua frente, e pronto. Ele é feliz seguindo o único caminho que lhe é apresentado.

Hoje voltei ao lago, olhei o reflexo e mergulhei, mergulhei até quase sufocar, parei para recuperar o fôlego. E o caminho bom para a harmonia é o perdão. Hoje é dia de perdão. Estão perdoados, eu estou perdoada. E o sol iluminando atravessou minhas asas. Troquei minhas asas de cera por umas de cisne, para facilitar o mergulho. As ondas no lago se espalharam para todas as bordas. Irrigou o mundo ao seu redor.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Um patinho feio, uma ovelha negra. Um dia cinzento, um casaco largo. Tênis velho, meias coloridas. Insônia, torcicolo. Volta sinuosa, duplo sentido. Sentido duplo, correr para ambos os lados, estacionar. Volta, sinuosa, sinos: simm, simm, siiiiiimm... O corcunda se esmera, espera: simmsimm simmmm... Cair na lagoa, boa, voa, soa, sino: simm, simm, siiimmm. Um patinho feio, cisne, sino.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quem não dorme, sonha.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O mundo corre na direção contrária, desvio os ponteiros do relógio, eles vêm na minha direção. Escorrego, salto, me equilibro, desequilibro, mas não perco o equilíbrio. Vou mudar de casa e cortar os papeis. Vou queimar panos velhos, quero espaço dentro e fora. Olho para o céu e vejo a chuva chegar. Pingos grandes, setas. Ponta, ponteiros.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quando te vi, corri, pulei e me pendurei em você. Seu corpo endurecido pelo tempo, seu topo se deixando balançar com o vento. Você firme no chão, eu sentindo o mundo girar. Conversa muda, senti sua energia e amoleci. Dormi sob sua sombra, acordei com a carícia de uma de suas flores sobre meu rosto. Há muito queria abraçar, mas não imaginava, o tamanho poder que têm as árvores.

domingo, 4 de abril de 2010

O que me atrapalha me ajuda

Encontrei uma pedra no caminha, escalei. Vi o mundo de outro ângulo.

sábado, 3 de abril de 2010

Essa noite os fantasmas, todos, me cercam, eles estão do outro lado da porta, em baixo da cama. A luz faz arder meus olhos cansados. Eu me refugiaria em qualquer lembrança. Mas elas foram levadas, lembra? Eu tento, mas não consigo encontrar uma que me ajude, então me escondo aqui nestas páginas em branco. Este é o meu barco.

Está na hora de criar novas lembranças, estou trabalhando nisso, mas as que perdi me consomem em certos momentos de silêncio. E eu não sei o que vem na escuridão aqui ao lado. Perdi meu batom, espero ainda ter alguns lenços. A meia noite já se foi e com ela a dor no peito. E agora as sombras são mais reais do que os objetos. Elas são só o que existe, sem os objetos que as produzem, e os grilos preenchem a noite.

Lenço florido, cortinas brancas, tinas de águas coloridas. Ando por entre essas bacias brancas onde a luz é refletida. Estou tingida por seus reflexos, sou furta cor. Corro, meus cabelos ondulam com o vento, minha saia corre na direção contrária, sapatos velozes vão a frente. E na frente há uma parede e não transponho, me choco com ela, caio sentada e olho para o paredão infinito. Onde estarei eu agora sentada entre tigelas multicoloridas?

Pego meu bloquinho de notas no bolso, uma caneta e anoto, anoto tudo que se passa para que não se perca, caso eu esqueça. E quem sabe assim apareça uma praça, banco de madeira arredondado. Apoio a testa na mão, e vejo se alguém atesta. Atestado correndo pela grama, tigelas coloridas. Entre as árvores, prismas pendurados nos galhos. Borboletas sorridentes, sento em um gazebo. Observo o mundo lá fora. Vou ao jardim botânico, entro em pânico. Só mantém a calma quem tem porque perde-la.

Só a turbulência pode trazer a paz de volta, só o cobertor pode espantar os fantasmas, agora. Vou mudar meu esconderijo e pedir para que os mosquitos não me denunciem.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Esse saiu do forno agora, só para mudar um pouco o formato:

Noite de lua cheia,
eu, a rua, as flores,
odores, dores.
Dor és, tão forte,
mais sou eu.
Sou eu, estou eu,
estou ei, entoei.
Dancei, roda gigante.
Cansei, lua minguante.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Tem dias em que paro para pensar nas tais “coisas da vida.” Minha avó quando se depara com algo ruim e não tem mais o que dizer comenta: é... são coisas da vida. Dá aquele suspiro e se despede.

Sim, ela deve ter razão, e o que são essas coisas da vida. Alegria, tristeza, sofrimento, realização, conquista, derrota, perder, ganhar, sorrir, chorar. Desespero... e para mim, a tal frase não produz nenhum efeito calmante ou reconfortante. Conformista talvez. E agora quem é que pode escolher as coisas da vida, algumas delas simplesmente caem nos nossos colos, e pronto! Ou você nina ou se irrita com o “estorvo”.

Hoje eu certamente preciso me livrar de algumas dessas coisas da vida, que estão encalacradas aqui, e ficam zanzando de um lado para o outro, elas que se aquietem, já estou ficando tontinha, tontinha com tantos zanzar e rodopiar. Aí, eu abro a portinha do quartinho escuro onde elas se encontram, e peço que saiam por gentileza. Mas elas têm lá suas exigências, não vão assim para qualquer lugar... querem um papel perfumado, uma letra caprichada, e não aceitam ser simplesmente soltas aí pelo vento. E se a gente não anotar... aí tá feita a folia, elas se recusam categoricamente a deixar aquela mente que encontraram com tanto sufoco. Sabe como é, tiveram que correr atrás de fiador, seguro, garantia, reforma, vazamento. Agora que encontraram um espaço tão bacaninha, uma mente tão arrumadinha, foram logo transformando tudo naquela desordem, falando todas ao mesmo tempo, “serelepecando”, e deixando o povo todo muito atrapalhado. Constrangidas? Não, elas não. Não se constrangem assim a toa, não é qualquer banho quente que as amolece.

E agora eu abri a tal portinha e elas achando que a proposta que eu fiz era tentadora, não param mais de sair, e enquanto elas não terminam, eu fico aqui presa, a seu dispor, transcrevendo tudo que me pedem. Será possível? Eeeiiii eu tenho mais o que fazer! Ah, tudo bem, tudo bem, eu me divirto também nesse meu serviço aqui. Além de me livrar, do atordoar, de tais inquilinas, ganho algumas linhas bacaninhas para mostrar aos meus netos quando perguntarem: vovó, o que são as coisas da vida?

Eu vou contar-lhes, tudo aquilo que faz parte da vida, mas vou pedir para que não digam em um enterro, isso são coisas da vida. Oras, e isso então não são coisas da morte?

quarta-feira, 31 de março de 2010

Chega de feras, vamos bater a poeira, essa noite é de festa. Só para dar uma quebrada no "campo vibracional" da postagem anterior:

Um fio solto, um rabo preso, um canto na escuridão, um
pássaro no porão uma estrela na mão, o mundo no céu, no seu, meu, véu.

Peguei um pedacinho de véu azul, claro, leve, fino. Desfiei, soprei, sumiu. Subiu, se misturou ao resto de si. Descobri que o resto era o todo, e o que era todo para mim, me fez resto para se juntar ao todo de si, que para mim, era resto dele.

Me tornei o meu todo, assim, não preciso de complemento, e o que se junta a mim passa a ser parte do meu todo. O que se desliga de mim, leva um resto meu e deixa um resto seu. Mas, para o meu todo, não há resto. O resto é inteiro em si, e o inteiro sem si, é resto.

domingo, 28 de março de 2010

Hoje acordei muito cansada... não sei que horas dormi nem quando acordei, perdi meus papeis de anotações, com eles minhas memórias. Agora como poderei dizer ao certo quem sou? Preciso de um papel e uma caneta, é urgente, ou esquecerei o pouco que posso lembrar agora, então será o fim. Foi aquela pata de um animal grande, talvez um urso, que arrancou brutalmente aquela imagem cinza, enquanto olhava para as minhas recordações em pequenos pedaços de papel, quem sabe fotografias antigas. Um filme antigo, uma imagem oscilante, e aquela menina de saia escura e blusa clara, cabelos presos, sentada nos degraus da varanda de uma pequena casa de madeira. Os copos de leite contavam histórias, de lugares ainda desconhecidos, nem a chuva forte os calou, os trovões causaram sobressaltos, mas não o abandono. O problema é aquela pata mesmo, uma fera qualquer, que invade vidas alheias, memórias alheias, rouba? Talvez essa seja uma palavra forte demais, não sei ao certo, eu diria que arranca, sim, foi isso que aconteceu, uma fera arrancou, qualquer coisa muito especial. Era uma fera de pelos escuros, aparência meiga, mas garras muito afiadas. E nós já sabíamos que as aparências enganam, e como enganam. Precisamos estar atentos para o que há além delas, e eu estive, estive atenta esse tempo todo. A menina na varanda estava atenta também?

Não, todos nós nos distraímos. Ela, você e eu, deixamos o caminho aberto para as feras todas, e as feras não têm esse respeito aí pelo nosso espaço. E aquele filme foi arrancado da parede escura, com uma patada rápida, e hoje eu acordei sem memórias. Acordei com minha cabeça ainda envolta nos sonhos que não lembro, meus braços ainda pesando pelo cansaço da luta, talvez. E alguns dizem que é então hora de descansar... O que é o descanso para os que têm a mente inquieta? Essa noite lutei contra uma fera e ela venceu. Venceu?

A tal fera saiu cantando vitória, e eu descobri que dois vencem ao mesmo tempo. Não sabemos o que queremos de fato, isso é certo. Não sabemos o que é o desejo de nossas almas, pedimos por coisas, e quando temos, descobrimos que estávamos errados. A fera saiu cantando vitória, não porque ganhou o que queria, mas porque arrancou o que outro queria, ou recuperou o que nunca teve. O que a fera não sabia, é que não sabia nem de si. E a fera saiu cantando vitória.

Eu em silêncio, para que ninguém percebesse, me alegrei também, pedi que abençoassem a tal fera, ela não sabia o que levava consigo. Hoje acordei sem lembranças. Uma fera levou minhas memórias, mas ela não sabe como encontra-las. Elas se escondem umas dentro das outras e só eu decifro, só você sabe. A fera cantou vitória, e hoje eu acordei sem lembranças. A fera cantou vitória, e eu chorei em silêncio. A fera cantou vitória, as memórias se deixaram levar, eu chorei baixinho e sorri ao ver tudo que a fera não sabe.

Lembrei do dia em que encarei a verdade no alto do morro. Hoje acordei sem memória, mas encontrei a verdade no caminho, ainda não decifrei, mas não fiquei só. Empurrei uma pedra lá do alto, e ela rolou pela grama verde, caiu no rio e flutuou. A tal pedra voando pelos céus buscou minhas lembranças e não encontrou. Essa noite uma fera arrancou minhas lembranças, hoje acordei ao lado da verdade. Sentada num banco, de chapéu amarelo, sapatos vermelhos, vestido preto, gola alta, broche. O cachecol voando com o vento, as nuvens correndo rápidas, minhas memórias.

Berrei tão alto quanto pude, sentada sobre as mãos, banco redondo. Eco, ecoou, vôo. As palavras giraram ao meu redor, subiram, desceram, cantarolaram, tocaram flautas, passarinhos. Essa noite uma fera levou minhas dores. Hoje acordei triste. Essa noite uma fera levou minhas memórias, hoje acordei dançando. Joguei o banco da colina, meu chapéu correu pela grama verde, me jogou da janela, meu vestido pintou estrelas, meus sapatos fizeram ninhos nas sacadas. Essa noite uma fera levou meus sapatos vermelhos, hoje acordei de pantufas.

sábado, 27 de março de 2010

Esta noite olhei para a minha individualidade e perguntei: o que é? Ela muito desaforada se recusou a responder. Pensei: talvez seja muito individualista.

sexta-feira, 26 de março de 2010

(dez)Equilíbrio energético

Os outros roubam minha energia, era só o que faltava, até isso estão roubando! Para gente, vocês pensam que é fácil juntar energia? Eu tenho mais o que fazer, e agora? "Moço me vê um potinho de energia aí. Ai me vê um para o plexo solar e uns dois para esse chakra aqui ó, qual é mesmo o nome? Ah sim, sim isso mesmo, valeu aí viu." Para né, e daqui a pouco vem a inflação energética, reajuste daqui e dalí, vai faltar energia no mercado... daí quero só ver. Pô vamos ficar cada um com a sua né, a gente pode fazer até umas trocas, mas tem que ser justa, sabe como é, manter o equilíbrio do negócio. Sai pra lá com esse teu olho gordo aí. Será que tem lipo para o olho? O negócio é comprar um daqueles de vidro que sai mais em conta.
Gente, to raspando o fundo do meu tacho energético, é melhor que a situação fique mais favorável, se não complica. Pensamento positivo, pensamento positivo... Tá funcionando!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Às vezes o passado soa tão ridículo que tenho medo do futuro.
Sentei para observar o jogo da vida e percebi que minha saia voava sem vento, joguei minhas botas pela janela e corri de meias pelo céu. Caí no penhasco, rodopiando fui ao infinito, encontrei infinitas possibilidades, todas finitas. Ganhei um coração novo, apertei bem forte e ele explodiu. Pedi ajuda; vi uma lagarta espertinha. Coloquei em um vidro, pendurei na janela. Uma traça trançou meus cabelos, de um jacaré ganhei uma tiara. Borboletas pousaram em minhas orelhas, vaga lumes no meu pescoço. Joaninhas vermelhas e verdes me carregaram. Se me encontrar por aí e for amigo pegue uma carona, se não quiser, não faça de conta. Conta tudo e joga fora. Fora o resto resta eu. Fora eu, resta tu. Tatu.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Tem dias que tenho medo dos fantasmas embaixo da cama, tem dias que sento ao lado deles.

terça-feira, 23 de março de 2010

Sopro

A espera: uma linha infinita, enigma. Preenchi minha linha com flores, sorri para os passarinhos, acenei para as nuvens, reguei as plantas com lágrimas doces. Dancei entre os carros, as ruas, as pessoas. Dancei no ar. Guiei-me pelos tons, pelos sons. Fechei os olhos e deixei que o sol aquecesse. Pedi abraços, ganhei carinhos, sorri para o inimigo, beijei o desconhecido, abracei aquele que me trai e joguei os dados para o alto. Quem será a próxima vitima?Sentei no banco mais alto, na colina mais alta e observei a vida. Olhei a verdade nos olhos e não pude decifra-la. A verdade entrou toda de uma vez no meu peito e me sufocou. Arranquei ela de lá, mandei que se calasse, respirei fundo, enfiei um olho pelo gargalo da garrafa, encarei a verdade novamente e agora ela sorria jocosa. Uma questão de ponto de vista! Quando outros chegaram, ela se escondeu. Eu berrei, ela se recusou, eu solucei, ela sussurrou; não queria que os outros ouvissem. Senti-me pesada, rodopiei, sorri sarcástica, entrei no seu jogo, joguei, joguei fora. Falei verdades duras disfarçadas em sorrisos malandros. Senti-me poderosa, me vi impotente.Sou fraca para o mundo todo, sou forte para a parte que me cabe. Vou abrir as janelas e ver os papeis voando. Quero que a ventania organize a seu modo. Tenho os braços cruzados e de pé em um canto, observo. Tudo é claro, a luz penetra por todo o ambiente, a sombra pede abrigo. A água parou, meu sangue repousa. Está tudo suspenso. Vou pular pela janela e voar para todos os lugares. Vou ficar aqui parada e ver o vento trabalhar. Em silêncio. Tudo se move, nada fala nem falha, farfalha.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Se pudesse pisar nas nuvens (e eu posso)

Flutuaria pelo ar, livre de todo o peso morto do passado. Quem perde? Todos perdem algo, ganhar também envolve a perda de alguma coisa. Sempre há risco envolvido, é preciso coragem para viver por inteiro.
Vou desafinar para chamar a atenção dos chatos, vou subir até não ter mais para onde ir (mas sempre há).
Vou catar pedrinhas na praia em noite de lua cheia. Enquanto durmo no meu quintal florido, onde voam borboletas em roupa de gala.

domingo, 21 de março de 2010

Soul

Sou a explosão de uma estrela, sou combustão. Um pequeno planeta perdido no universo escuro, um peixe fora d’água, uma borboleta no aquário. Durmo demais para quem tem insônia e pouco para quem precisa dormir. Acordo porque a cama me cansa. Sou ondas no mar, se estou acesa posso apagar, mas se estou apagada vou ascender, e se ascendo não pago nem caio. Se não pago também não apago. A pago, Pagu.

Condução

Um campo verde, árvores frondosas, flores claras, sol refletido em cada superfície cálida. Calada, vejo os pássaros, as borboletas, coelhos, castelos, casebres, cabanas. Cabana, madeira, pedras, calor, ar leve, som leve, eu leve, me leve.
Escadas, janelas, porta, sacada. Céu, sol, estrelas. Dia, tarde, noite, tarde da noite. Amora, amor a, amor há. Há de haver amor. Amor em haver, dever. Não é dever, nem deve, só doa. Doa a quem doer, não doe, dá. Dá, dadá, gugudada. Bebê, beber, nascer. Ser, crescer. Ceder, sede, cede. Casa, lar, abrigo. Brigo, não brigo, obrigo. Obrigado, de nada. Acabei, voltei, parei, sorri. Sorrir, sorriso, sorrateiro. Não sou rateiro. Sou arteiro.