segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Transformação

 O dia amanheceu preguiçoso. Parecia impossível prosseguir. Será que o relógio já despertou? Sim, mas tudo estava esquecido. Em uma variação entre estar bem acordada e totalmente sonolenta, fui tomando consciência do dia. Às vezes é mais difícil seguir e, no entanto, não é possível parar. A vida se bifurca e resta tirar o melhor de cada momente.

Eu queria começar ligando para você, conversar um pouco enquanto tomo uma xícara de café. Mas você está indisponível. Queria entender onde errei, quando deixei que escorresse entre os meus dedos. Fato é que nunca esteve ali. Seus planos talvez tenham sido sempre diferentes dos meus. Acontece que não tenho como saber ao certo, porque nunca me dei ao trabalho de perguntar. Falha minha.

Pensei saber aonde ia, o que estava fazendo. E, no entanto, não sei. Achei que tinha algum controle. Mas essa é apenas uma ilusão para justificar a solidão. Seus tentáculos foram me envolvendo tão lentamente que nem percebi quando fiquei totalmente envolvida.

Acontece que nos acostumamos a tudo. Até acordarmos repentinamente desse estado e percebermos que não é permanente, ou ao menos pode não ser. Nós usamos essa palavra: normal. Mas, afinal, o que é isso? Creio que é aqui que determinamos ser. Só que assim deixamos, às vezes, de valorizar o excepcional ou nos acostumamos ao que é desagradável.

Você pode me dizer que nem sempre conseguimos mudar o estado das coisas. Concordo. Mas esquecer que podemos ao menos tentar, pode não ser o melhor caminho. Estou acordando. Sinto os primeiros raios da esperança baterem na ponta dos meus dedos. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Por que a produção?

 Criar inclui um pouco de dor. Eu me pergunta o motivo disso. Acho que em certa medida é porque entramos em contato com a nossa própria dor. É dela que extraímos esse produto que alguns ousam até chamar de arte. Mas nem sempre é. E acho que a beleza é justamente essa: não precisar ser. Porque se precisássemos ser sempre belos, ficaríamos engessados. Pergunto-me se seria possível produzir assim. A resposta não é absoluta ou igual para todos. No entanto, creio que para mim seja sim.

As amarras da beleza prendem esse impulso de seguir fazendo pela simples necessidade. É como se todas essas ideias fossem se empilhando. Se não colocamos elas nos mundo, criam uma espécie de represa ainda mais dolorosa. Fica impossível saber exatamente qual é o sentimento, porque o pesar de cada criação contida é sentido simultaneamente.

Ainda assim, me pergunto: por que criamos? A princípio pela simples necessidade. Mas faz sentido se ninguém tomar conhecimento? Pode até parecer vaidade e, no entanto, me pergunto se é. Penso que, talvez, não faça sentido criar se nunca alguém puder ver.

Criar é uma dor, mas também é o alívio. Então, se torna quase um vício. Um analgésico de duração muito curta. Começo assim a questionar qual é o limite. Se posso perder a noção de quando parar. Saber colocar o ponto final no lugar certo faz parte da beleza e do sentido. Uma ideia sem ponto pode se tornar um emaranhado de palavras sem significado. Tem dias em que pareço não encontrar mesmo o meu ponto final.

Abro uma caixa antiga em busca dessa informação e me perco entre tantos recortes de jornal. Por que guardamos essas histórias? Elas nos definem até certo ponto. Apenas até certo ponto. Depois disso, é o sentido que damos ao que foi vivido. As histórias vão tomando novas formas e parecem ganhar vida própria, em certos casos. Não há controle, de fato, sobre o que anda por aí.

Levando isso em consideração, talvez a questão seja apenas seguir fazendo porque é necessário. Talvez a liberdade esteja, de fato, em pensar que nunca alguém tomará conhecimento. Mas a motivação está na esperança de que, algum dia toque alguém. E é nesse misto de liberdade esperançosa que é possível seguir.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Só por um instante

 Parece ter chegado aquele momento em que dou uma passada por aqui. Como naquela casa de férias, para a qual nem sempre temos tempo, mas sempre nos acolhe. Ela me aguarda, com as memórias que eu não deveria deixar, ou aquelas que eu não poderia carregar sozinha.

Nos vemos novamente, sento diante do espelho e pergunto: qual dessas sou eu? Passo por algumas memórias e quase lembro de quem eu era. No entanto, em certo ponto, quando volto mais atrás, parece que encontro quem eu gostava de ser. Ao longo do tempo foi inevitável assumir novas versões. Agora, tento decidir qual será a próxima.

Pergunto-me se você segue junto ou fica por aqui. Acontece que certas memórias são caras demais. Ainda assim, não têm valor de mercado. Por isso, seguem guardadas em uma estante empoeirada, ocupando espaço demais e, ainda assim, falta espaço para elas.

Abro a janela para o dia ensolarado e vejo as nuvens pesadas se aproximarem. Parece que o nosso tempo acaba rápido demais. Pego uma pequena caixinha e escondo sob o casaco. Esse será o meu alimento ao longo da jornada. Na expectativa de que o retorno seja breve. Mas, principalmente, que o acolhimento não se restrinja à casa de veraneio. 

Espero que ao abrir essa recordação, possa encontrar um caminjo que faça sentido. Mas eu volto. Por ora, fecho tudo as pressas e sigo. Vou na expectativa de não ter deixado nada meio aberto. Espero que no meu regresso você esteja pronta para me receber.