quinta-feira, 17 de setembro de 2015

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As palavras ficaram em suspensão tentando assentar aqui e ali, mas o papel tinha farpas que repeliam suas finas escamas. Até que essa manhã enquanto olhava o menino careca com suas roupas sociais, agarrado aos joelhos, sentado no canto do porta-retrato fazendo esforço para caber ali dentro e ao mesmo tempo cobrindo os olhos inchados com as pernas, pude sentir as cordas sendo arremessadas e começarem a laçar as palavras. Não digo que não seja doloroso o primeiro contato, as farpas perfurando as escamas quase que num golpe só. E elas foram se fixando aqui e ali, até formarem um conjunto indissolúvel, até estarem suficientemente conformadas e as farpas já não serem mais necessárias. Elas foram sentando ao redor do menino, formando o seu jardim e emprestando suas cores a ele. O menino desbotado foi ganhando vida e correu pelo caminho ensopado para fora das molduras do retrato. Ele chegou a milhares de encruzilhadas, mas jamais parou seu movimento, pois já conhecia o destino de estar emoldurado.

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