domingo, 18 de julho de 2010

Surgiu em meio a penumbra o rosto de um homem grisalho, rugas, poucos fios de cabelo espantados. Poucos dentes afastados e velhos. Boca aberta, mandíbula deslocada, língua para fora. Pude sentir na minha boca, qualquer coisa marrenta, pegajosa. Minha mandíbula se deslocou e minha língua se desenrolou. Asco feliz. Foi o nojo que fez movimentar o maxilar, provocando a sensação de salivação nas mandíbulas. Aquele homem parecia olhar de forma jocosa. Em meio a chuva da noite, ele abriu os braços, olhou para cima, e mostrou a língua para o céu. O ônibus chegou.

Que gesto o daquele homem tão insensato. Poderia dizer que se perdeu, se não fosse a certeza de onde está. Poderia dizer que chamou os anjos a sua companhia. Poderia cantar cantigas de roda e girar e girar loucamente, como se amanhã não fosse mais ter água para beber. Poderia dizer que se perdeu, não fosse a certeza de quem não é. Aquele homem poderia correr léguas, não fosse a vontade de girar.

Permaneceu ajoelhado no meio da neblina lilás do entardecer, esqueceu-se que já era noite. Os lobos varreram a cidade, o apito do trem ecoou nos ouvidos do velho. Seus poucos fios de cabelo tremeram de contentamento, enquanto eu, quieta, sentia medo do seu riso. Homem feliz, sem saber que deveria chorar. Permaneceu com os braços abertos olhando a chuva.

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