sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Essa noite a chuva caiu dentro dela. Um raio atingiu certeiro seu peito, um trovão ensurdecedor. O pequeno poste do outro lado da quadra aumentou a solidão da noite. Correu para a rua para que seus lados se misturassem e ela pudesse ser uma só. Correu, a água bate em seus olhos e dificulta a visão, fecha os olhos e deixa que escorra tudo em si. Abraça a criança que lhe pertence e pede abrigo há dias. De joelhos ela nina sua menina, seu doce olhar para o vazio espanta os que passam. Seus braços ainda seguram aquele pequeno nada, enquanto ela vaza sem saber por onde começar. Encharcada pelo banho gelado da noite tenta não voltar. Em meio ao caos era silêncio, olhou para o alto e viu as águias que a rondavam. Suas longas asas batiam uma vez, depois se alongavam e plainavam fluidas. Ergueu os braços pedindo que alguma delas lhe desse carona, não sabe ainda se quer voar sozinha.

Sentou na poltrona estofada, cotovelos nos joelhos. Abriu a mão lentamente, e deixou que escorresse pelos dedos a bolinha de vidro que acertou o chão de madeira com um baque, e rolou fazendo com que a luz refletisse nas superfícies. Sabia que não era mais tempo de espera, mas ainda não inventou um novo caminho por onde ir. Suas roupas ainda pingando, o fogo forte aquecia sua face. Sentiu-se quente como quem tem febre, tremeu com o fogo. A luz amarela das chamas tomou conta dos seus olhos ressecados. Convulsões lhe tiraram o ar, vertia inexplicavelmente, devia ser a chuva querendo sair. Escapava por todos os seus poros, ela vazava descontroladamente. Sabia que aquele fogo não era suficiente para apaga-la. E nós bem que quisemos partir em seu socorro, não nos julgue precipitadamente, não pudemos fazer nada. Já era tarde, ela já estava tomada, completamente tomada, agora tinha que desintoxicar. Precisava passar pelo seu período de abstinência, precisava se livrar dos últimos vestígios que aquela história deixou nela. Nós não tivemos pena, isso nem ela mesma sentia por si. Não sabemos exatamente o que ela sentia, parece que não sentia, ela apenas vertia, era a chuva saindo.

Quando a noite virou dia e a terra voltou a ficar quente, seus olhos arderam como se dissessem: não esqueça, não esqueça. Ela pretendia não esquecer, e também não lembrar. Tem coisas que devem ficar registradas, mas não devemos pensar nelas com muita frequência, ou com nenhuma frequência. Ela resolveu deixar aquela lembrança de lado, embora lembrasse a todo instante. Quando erguia os braços ainda podia sentir a chuva fazendo-a escorrer, quando fechava os olhos ainda via o brilho da bolinha, seu som ainda estava nos ouvidos. Ela se calou para sempre, por um tempo. Vários trens passaram, ela não sabia qual estação era a sua. Mas não queria mais ter pressa, sabe que na sua estação as flores sempre florescem.

Um comentário:

  1. Visto. Leia o meu, deixe um visto tb. As vezes penso que vc é uma mina de ouro, tens talento pra vender, mas tb n sei se isso é fato, pq n entendo bem de literatura, poetas, essa gente ai que faz chorar. Só sei que eu gosto, e do que eu gosto é bom, tenho muito bom gosto por aquilo que me cativa.

    ResponderExcluir