terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tem alguém aí?

Nos últimos dias o que me assusta não é doer tanto, será isso real? Hei, tem alguém aí do outro lado, isso é real? Você aí, dê sinal de fumaça! Tem alguém aí, tem algo que escorra dentro de você? Quem é você? O que é você, se é que você é você mesmo. Você é o que aparece? Onde está sua face, cadê sua outra face, cadê sua face intermediaria que esconde todas as outras faces? Onde está seu eu que não o burro falante? Onde você largou o seu lado de dentro que se perdeu do lado de fora. Tem alguém aí? Responda. Acho que estou completamente só falando para uma parede invisível onde todas as palavras batem e escorrem letra por letra. Você está aí? Viu o que aconteceu? Conte-me, diga a verdade. Segure minha mão e me leve daqui, o rio secou. Espero que tenha alguém aí, ou será que a liberdade consiste em acreditar que ninguém ouve do outro lado? Você viu? Você viu que eu não pude mais, que não tinha mais o que eu pudesse fazer, você sabe que não fui má por lutar? Você sabe que não foi uma escolha idiota, uma opção egoísta, um chute na boca do estômago? Foi sim um chute de mim para mim mesma. Veja só que maravilha, você ainda está aí? Não feche ainda, não me deixe aqui sozinha, não agora. Preciso de você, ainda está aí?
Eu corri por aqueles campos nublados, esta manhã sentei na janela do sétimo andar e balancei minhas pernas do lado de fora, a cidade é grande e cheia de prédios, a chuva lavou e sujou, se misturou à água da piscina. Eu não pulei, apenas escorreguei um pouco para frente e escorri pelo ar. Desculpa, eu não quis bater com a cabeça contra a parede tantas vezes. Mas é por isso que você ainda está aqui, você... ainda está, não está? É por isso que ainda está, porque eu continuei batendo minha cabeça contra a parede, só assim você teve o que ver. E você achou divertido ver o sangue escorrer, tudo bem, você não sabia que era isso que estava acontecendo. Não vai agora, por favor, fique mais um pouco. Eu não quis ser má. Mas eu fui? Posso até ter sido, quem sabe, tudo depende de como olhamos. Não há um ser mau, mas há quem nos magoe profundamente. Eu magoei você? Não há o que perdoar, não é? O perdão já veio embutido nessa volta. Gostou do passeio? Por onde fomos nesses últimos meses? Que lugares visitamos sem nem nos darmos conta de que estávamos indo. Obrigada, obrigada por me fazer companhia por tanto tempo. Continue por favor, eu não vou desistir. Você vai? Não desista, não estou falando de mim, falo de você é claro. A única coisa da qual não deve desistir, a única coisa pela qual deve lutar, pois é o único que certamente ainda estará a seu lado. Não importa. Eu não pulei, eu escorreguei. Você está certo, não tentei segurar, e isso é um erro?
Por acaso o erro existe? Erros não existem, existem resultados fora do esperado. Por que você esperou então? Por que eu mesma esperei? Estávamos esperando um pelo outro, não, você não estava esperando por mim não é? Só vem me visitar às vezes. Essa é a primeira vez que você me visita? Desculpe a confusão, esse é um período em que nada é, nada está, tudo pode ser, e não se sabe como ficará. Saiba que não me sinto mal por você, o problema é o que sinto mesmo. Eu não sou egoísta, é que não sei quem você é, me importar com o possível desconforto de um desconhecido diante do meu afogamento poderia ser um erro. Você não sabia? Não, não foi a enchente, me afoguei foi com o ar. Sim, ar em grande quantidade, e logo sufoquei. Você ainda está aí? Eu avisei, não avisei? Continuaria morrendo ainda por um tempo. Estou feliz agora, estou feliz porque você está aqui comigo. Sim, eu estava agonizando até... até agora, até você vir aqui comigo. Até você segurar a minha mão. Obrigada, obrigada por caminhar comigo. Obrigada por segurar o galho da árvore para que eu pudesse me servir de fruta fresca. Eu sei, ele mentiu. Tudo bem, nós perdoamos, não perdoamos? Não berre desta forma! Sabe que é feio ser histérico, desculpe, não direi que perdeu a compostura pois nunca teve. Você viu? Viu o que estão fazendo, matam-se e querem que eu seja cúmplice disso!
Basta, não basta? Chega de tantas voltas estranhas não é? Não, não é. Estou nesse redemoinho que não se sabe aonde vai. Você ainda está aí? Não leu os últimos livros que li, não é? E como posso culpar você? Não posso. Sabe, encontrei um livro que me descrevia. Não pude acabar de ler ainda, mas era eu que estava lá, e senti que gostaria de ter sido eu a escreve-lo, mas não fui. Não me sinto triste por isso, sinto-me grata por alguém ter me escrito sem nunca saber quem sou. Clarice, é assim perder o terceiro pé? Como fico se eu puder andar agora. Como faço se quero ter a coragem de deixar moldar sendo que tenho urgência? Você ainda está aí? Não vá, ta bom? Tem alguém aí? Diga se você está aí, estou com medo de ver minhas palavras escorrendo letra por letra nessa parede invisível. Porque se tudo que esteve até aqui escorrer assim, não serão apenas essas coisas, serei eu escorrendo. Serei eu me desmanchando e me perdendo. Eu terei perdido a razão de ser. Terei me perdido de mim mesma. Tem alguém aí? Diga se você me vê, porque eu não posso fazê-lo. Estou cega, o sol de hoje entrou nos meus olhos. Não me joguei, empurrei minha bunda para a frente. Volta. Desculpe, não quero ser chata, mas não quero deixar de ser o que quer que seja. Ouve, o que traz o vento? Ele diz que chegou a hora?
Foi o vento, ele me chamou para escorrer com ele, até chegar aos ouvidos de quem quer que seja. Sente? Estou queimando. Segura minha mão quando pudermos voltar, precisarei de uma mão. Ainda estará aqui? Você viu como ele partiu mil vezes? Viu como ele se jogou a qualquer coisa como se pouco importasse? Viu que tudo o que disse ser meu não era de fato? Viu como as palavras são leves e voam sem nem mesmo precisar de vento? Estou cansada de flutuar dessa maneira, com esse rabo que me prende, que controla minhas manobras, que não permite que eu vá além, que me desvia dos galhos das árvores. É assim que vive a pipa, ela pode voar mas com uma condição. Só que ele já partiu, prendeu meu fio em uma pedra e foi embora para garantir que eu ainda estivesse ali quando voltasse. Brigou com quem ousou se aproximar empunhando uma tesoura. É assim que as coisas deveriam ter sido? É sob as pedras que nos escondemos? Ou escalamos elas para que possamos ver de outro ponto? Na tentativa de resolver as coisas acabamos nos precipitando. Como posso apenas flutuar sem nunca escolher meu rumo?
Eu vi uma pipa laranja num céu azul bem clarinho, um menino segurava seu fio correndo por um grande gramado bem verde. O céu iluminava tudo, mormaço do meio de tarde. Ele correu muito até chegar a beira de um rio muito limpo, deitou sob as árvores e ficou ouvindo o som da água escorrer nas pedras. Dentro desse rio tinha peixinhos multicoloridos e brilhantes. O menino dormiu e sonhou com seus castelos subaquáticos e suas histórias sobre pescadores. E o que aconteceu com a pipa enquanto ele dormia? Poucos sabem, mas era ela quem contava as histórias que o fizeram adormecer. Mas ninguém lembrou de agradecer apropriadamente, e isso também não era um problema para ela. Será que não era mesmo um problema para ela? Essa é a história, você segurou a minha mão por tanto temo, achei que era hora de contar. É essa a história dessa pipa no ar, dessa pipa flutuando sem saber exatamente o que é, para onde vai, sem saber quando será solta, e se for para onde o vento a levará. Pequenos retalhos seus espalhado por aí sem que ela nunca fique sabendo. Eu vinha na carona dessa pipa, mas não será agora a hora de escolher meu próprio rumo? Desculpe a desordem, a confusão das palavras. será possível? Onde você está? Por que está aqui comigo agora?
Você está aqui comigo mas está aí do outro lado. Serei eu então uma iludida. Eu me iludo com sua falsa companhia ou me iludo com sua falsa ausência. Ou você está exatamente aqui mesmo estando ausente. Essa teia mundial que nos liga, nos aproxima e nos afasta. Por que você não vem aqui? Por que você não diz também o que pensa? Por que você olha e parte? Você realmente existe, você está aí mesmo? Eu estou aqui, estou inteiramente aqui, estou despejando coisas que eram só minhas para que pudessem ser suas também. Para que pudéssemos compartilhar. Isso tudo aqui é meu. Mesmo depois de ter sido invadida, mesmo depois de terem invadido meu esconderijo secreto, minha casa na árvore. E mesmo que depois de tudo isso ainda tenham mentido para mim e dito que não devia me zangar pois não foi por mal. Desculpe, mas eu me zanguei, eu me senti profundamente triste, eu perdi o abrigo e a noite estava fria. Você ainda está aí? Então preste atenção, pois fui como o exército lutando contra a guerrilha, foi isso que me aconteceu. Eu nunca quis que isso fosse uma guerra, nunca quis o mau para ninguém, mas me envolveram nisso, e do outro lado estava mentira e falsidade, falsa fraqueza, falsa meiguice, um pobre de mim exagerado, a conquista pela pena. A guerrilha fez de mim exército, e eu deixei que fizessem isso comigo. Eu não preciso de perdão, só quero saber se você está aí. Porque do lado de cá as coisas estão confusas, eu não tenho ideia do que esteja acontecendo.
Minha luta agora não tem inimigo que não seja eu mesma, e meu aliado é você aí do outro lado. Você existe? Ainda está aí? Saiba que dói deixar o que desejo em nome do que acho certo. Não quis bater minha cabeça tantas vezes contra a parede, o sangue coagula e volta a escorrer. Eu não quis me jogar, eu escorri. Desculpe me demorar tanto, espero que você ainda esteja aí. Você está aí? Tem um pássaro voando nessa direção, não sei o que vai acontecer. Quem é você aí do outro lado? Onde vou aterrissar? Que janela estúpida, não vejo nada além do seu vidro. Mostra-me o que quero ver mas não onde você se esconde, e então como saberei se há alguém aí? E de que me adianta se não sei o que quero ver? Afinal quem sou eu?

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