sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Uma gotinha de solidão

Às vezes devemos ficar sozinhos, em alguns momentos, preciso me sentir completamente só. Às vezes preciso esquecer que alguém me aguarda, e que em alguns instantes estarei em outra parte. Por alguns instantes preciso esquecer quem sou. E às vezes custo a lembrar. Volto à antiga questão: quem sou eu? Essa massa que se move sem saber direito para onde, e recebe vibrações indefinidas de fontes longínquas ou extremamente próximas. Tem dias em que sento na pedra gasta no alto do morro e respiro as perguntas trazidas pelo vento. Tem dias em que me embriago de luz, e tem horas que minhas pupilas dilatam ao máximo, e ainda assim não consigo ver o que há a um passo de mim. Tem horas que sinto tanto frio, nem os cobertores mais pesados que encontro em casa conseguem me satisfazer. Tem dias em que as rachaduras em minhas mãos se alastram com incrível velocidade, só as descubro quando passo o creme e sinto arder, vejo aquele vermelho suave se espalhar pelas costas delas formando uma nuvem de pele mal tratada. Elas eram invisíveis e repentinamente aparecem, como se estivessem só esperando o aviso. 

Tem momentos em que sinto doer, mas não há creme que denuncie o caminho das rachaduras. Eu sinto as coisas que se aproximam, mas não posso enxergar. Nasci cega, e com o passar dos anos fui tentando aprender a ver. Nasci e a única coisa que eu conseguia fazer era berrar, mas chorava pouco. Com o passar do tempo fui desenvolvendo a técnica, fui aprendendo a chorar com mais força. E aprendi também a acordar com dor de cabeça, e os olhos inchados. Com o passar dos anos fui tentando aprender a ver, mas é difícil, às vezes, depois de tanto esforço a visão ainda fica turva. Às vezes eu queria ver com nitidez, às vezes gostaria de voltar a ser cega.

Há dias em que acordo com saudades, há momentos em que me afogo em saudades. Mas tem segundos em que me sinto totalmente livre. Nesses segundos abro minhas asas e vôo rapidamente pelo mundo todo, a velocidade é tanta que quando volto não consigo lembrar do que vi. Às vezes posso lembrar de alguns berros, mas não eram meus, e também não passaram a ser. Eu lembro também de alguns pedidos silenciosos, de algumas rezas sob o cobertor em noites frias. Lembro de algumas noites em claro com medo de algo invisível, de coisas indizíveis. Lembro de algumas dores, mas de algumas não consigo lembrar como sentia.

Tem dias que me lembro de como era sentir o vazio por todos os lados, como era ser inundada pelo nada, e de como isso podia ser bom, mas também lembro de como podia ser cansativo. E exatamente agora me canso de tanto lembrar, algumas vezes até desejei não ter memória, me deletar e começar de novo. Algumas vezes quis apagar certos rostos para poder olhar para eles sem sentimento algum, mas lembro que alguns deles já vêm com o aviso grudado na testa. Já teve dias em que eu quis esquecer, já teve dias em que eu quis partir, já quis ficar totalmente isolada do mundo, e já quis sentir cada partezinha dele. Já desejei ser adulto, já quis ser criança. Espiei a Terra do Nunca e concluí que é melhor continuar a crescer, mesmo com todas as suas implicações. Já voei sem precisar de pó mágico, mas apenas uma boa noite de sono. Já assisti filmes precisando apenas fechar os olhos.

Hoje tento acordar, pegar o remo e conduzir essa canoa por um caminho único. Mas os braços da noite ainda me prendem, e enquanto não acordar não poderei dizer o que é ilusão e o que é real. E sem saber separá-los não poderei optar, e misturá-los a meu gosto. Porque os sonhos alimentam a vida, mas o que é dos sonhos sem vida?

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