terça-feira, 26 de abril de 2011

Àquela que ama


De cabeça baixa ela olhou de canto como quem tem medo, como se fosse tímida. Sua imagem inteira cinza logo revelou o monstro de dentes e garras pontudos. Avançou sobre nós descrevendo uma parábola, vimos sua boca crescer. Falamos que ela já podia partir, que não precisávamos mais dela, foi isso que provocou o ataque. Sentou novamente  a seu canto e engoliu seus fantasmas de breu e sustenidos. Rangeu suas cordas podres e pensou ser famosa sem saber que é passado. Quis ter tudo para si sem saber que já não pode mais se definir. Veste-se no guarda roupas da mãe, e toma suco de ambrosia para não estragar a forma. Sua lápide foi a melhor que puderam pagar, mas para isso só viajam fora de temporada. Gosta de andar na moda, mas é do século retrasado. Chegou tarde e por mais que insista será sempre um fantasma. Rodopia com seus amigos igualmente sombrios e engole as sombras que seu espírito atrai. Sabe que pode comprar qualquer coisa mas esquece que não tem o mesmo sabor, ou recusa-se a lembrar. Sempre acaba voltando ao seu túmulo para um pouco de descanso, mas sua cabeça não para, está sempre planejando o próximo golpe. Simula sentimentos nobres para provocar a piedade, mas é constituída de ira e mesquinhez. Come grama enquanto espera o próximo milênio. Olhado rapidamente seu rosto é de jovem, mas já nasceu velha, seu corpo é de velha e enruga-se cada vez mais, até que seja novamente hora do ataque.

Alguns exageros são tão sublimes, e eu não haveria de ser um ser humano exceção. Somos todos diferentes mas não há exceção a regra maior. Não há superdotado, santo ou bandido. Somos todos igualmente humanos, e por vezes somos todos igualmente gélidos. Todo humano se revolta, se irrita e se recria. Todos às vezes fingimos uma face que não nos é recorrente. Todos nos agarramos a fatos que nos convém. Mas poucos de nós temos coragem de dizer: sim estou furioso! Sim estou furiosa! A mensagem foi captada mas não apreendida. Esse campo não é de batalha, é de flores, de colheita. Esse caminho é meu, conta a minha história, fala quem sou, fala dos que vejo passar enquanto estou com os olhos abertos ou não. Fala das coisas que filtro, muitas vezes sem nem bem saber de onde. Somos captadores, sou uma antena sem fio. A cura espiritual é uma entre tantas outras escolhas, meu bem. Eles giram sobre a sua cabeça porque você os atraiu para junto dela, e isso não fui eu quem disse. Se você ainda os vê, se sabe que eles ainda estão aí porque não muda para que eles possam ir. Sim, a vantagem do texto é se aplicar a qualquer um, mas não se enganem, não se iludam, não se coloquem no centro da máquina mortífera. Abram os olhos toda manhã e olhem pela janela, desliguem o computador e apreciem um pouco o mundo, apreciem um pouco tudo de maravilhoso que está ao alcance das suas mãos. Parem de comer os problemas no jantar, parem de virar a noite diante do computador. Apreciem, as coisas nascem na frente de vocês, elas crescem e se desenvolvem tão belas. Porque não sentamos e simplesmente absorvemos um pouco do mundo. Exercitem o silêncio, escutem a voz interior. Paremos agora de correr desesperadamente atrás de quem culpar. Vamos apagar a luz e meditar um pouco antes de dormir. Vamos nos livrar das drogas que consumimos para dormir e depois para acordar, para nos sentirmos felizes e depois para emagrecer pois a anterior engorda, para inflamação e depois para o estômago. Vamos nos sentir inflamados, vamos inflamar pelas maravilhas que vemos, que temos, ou que nunca teremos mas sabemos que são maravilhas. 


Porque não paramos um segundo, porque não vertemos um pouco sem responsabilidade alguma, pelo simples prazer de verter. Porque não nos reconciliamos primeiro com nós mesmos, depois com os que estão ao nosso lado, para aí sim atacarmos ou amarmos os que estão mais longe. Porque não paramos exatamente agora, basta de ataques ou desconfianças. Não adianta tentar descobrir onde está o problema maior, pois ele está sempre nos nossos olhos. Porque não nos purificamos no lugar de marcarmos reuniões para discutir o indiscutível. Porque não ouvimos simplesmente o que dizem nossos peitos, o que brota das nossas mentes, porque não absorvemos um pouco desse mundo sem tantos pré-conceitos. Podemos assumir que o bem e o mal nem mesmo existem, não um em cada ser. Temos os dois dentro de cada um. Olhe que estupidez julgar alguém que nem mesmo conhecemos, olha que idiotice a mãe que entra na escola e culpa o coleguinha que nem sabe o que está acontecendo. E por que isso acontece? São só crianças! Elas tem as duas potencialidades igualmente fortes, elas são o que ensinarmos a ser! Mas as mães estão cegadas pelas novelas que lhes ensinaram que de um lado está o bem e do outro o mal. Elas ainda não aprenderam que eles se misturam e convivem em um só ser! E que é normal que depois de um certo tempo alguém se canse, que alguém diga aquilo que muitos queriam ter dito.


Somos todos iguais, somos vulgares, ordinários, somos extremamente comuns. Eu já disse, eu repito. A alegria de estar misturado a essa massa indistinta, esse balaio de gato, esse emaranhado de almas, de sentimentos, de fumaça, de descrença, de fervor. E quando sentimos muito ficamos apavorados, queremos morrer, queremos arrancar o coração pela boca para não ter mais que sentir, nunca mais. Queremos que pare, só isso, queremos que pare de uma vez e não volte nunca mais, queremos que não doa mais, queremos não ter mais que acordar com os olhos inchados, as pálpebras vermelhas. Queremos não lavar mais os lençóis a noite, queremos não chorar mais pelas ruas. E por sentir tanto chegamos a pensar que era melhor não sentir coisa alguma então. Mas quando anestesiamos, quando deixamos de sentir, ai então repensamos tudo. Pois não sentir é como estar morto para si próprio, é como se não falássemos mais com nós mesmos. E se eu não puder me ouvir, se você não puder se ouvir, o que teremos a fazer então? Pular no pescoço do próximo macaco que passar e culpa-lo pela nossa eterna insatisfação, mas não sentimos, não podemos nem ao menos estar insatisfeitos.


Paremos um pouco então. Qual é o pavor da dor? Dói terrivelmente, sufocamos, não podemos respirar, não sabemos mais nem o que dizer, e subitamente tudo passa, depois tudo volta, e tudo passa, e tudo volta. E assim vivo em uma gangorra de sentimentos e sensações. Assim deságuo e ilumino em breves intervalos de tempo. Não adianta fugir disso. O pavor não salva ninguém de coisa alguma. Por isso só peço que me deixem viver minha vida, deixem-me prosseguir escrevendo, pois escrever é a única coisa que me salva, é a única tábua flutuando no meio desse mar. Não sei para onde ir, para todo lado que olho vejo a mesma coisa, água. Mas tenho essa tábua, e se continuarem a me cercear nessa tábua não me restará mais nada. As coisas belas são para ser mostrados, e o podre também pode ser contado de forma bela. Eu fico feliz, agradeço aqueles que lêem. Fico feliz em saber que as pessoas ficam tocadas pelo que escrevo, que depois pensam no que viram, que algumas até mudam suas atitudes em decorrência de determinados textos. Mas eu peço que ninguém se atire de precipícios ou me ataquem com cacos de vidro, pois então teríamos perdido nossa humanidade, teríamos esquecidos que somos ambíguos por natureza, e que cada um tem o direito de sentir a seu modo. Nunca menti para você, e também nunca disse que seria fácil. Eu sei como dói, já estou nessa faz algum tempo, já tentei esquecer tantas coisas que ainda me assaltam. Não tirem minha única tábua em meio a esse mar, pois então afogarei. E você saberá o que aconteceu, mas eu não, pois estou cansada demais para entender o que se passa, estou cansada demais para prosseguir em uma luta que não criei, não pedi para entrar, e não sei que propósito tem. 


Peço desculpas por me demorar, por dar voltas, por me perder e tentar me encontrar ainda na sua frente. Só peço que me deixem segurar a minha tábua, que me deixem fazer a única coisa que sei fazer. Só quero que me deixem continuar essa reza muda contida em cada frase. Deixem-me viver, não me afoguem nesse mar que eu mesma verti.

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