quinta-feira, 28 de abril de 2011

Passou

Um sino toca ao longe e é novamente hora de recolher. A chuva cai lentamente gota por gota dentro de cada um. Eles se reúnem no corredor gélido e esperam que soe para ouvir a voz daquele que está longe, esperam que voe na corrente mais delicada com a notícia fatídica. Todos chovem lentamente, o céu é cinza e espalha seu frio para dentro das almas. Estão reunidos de pé no corredor cor do céu, alguns são vencidos e sentam com os cotovelos nos joelhos e as mão atadas. Dessa vez a chuva não escorre para o papel junto com as palavras. Dessa vez o texto não traz alívio. Acabou mais uma vez, as frases se acomodaram agora dentro do corpo imóvel. Nas memórias ele ainda se desloca com graciosidade, e ainda podemos ouvir o último sopro da sua voz. Por alguns segundos pensamos que tudo não passou de ilusão, uma grande farsa da mente cansada. Trocamos aquele sopro frio pelos lamentos de quem ainda pode, pelas súplicas por liberação daquele estado que é tão seu. Todos chovem lentamente, alguns são tempestade. Os ventos que sopram em si levam em direções contrárias, em direções variadas, levam sem direção. Perder o rumo é tão parte disso tudo, é tão complementar a essa incompletude que se instala. Não é mentira, não é pegadinha, não tem volta, não volta. Revolta não é como refluxo, não retoma, não recria, não revalida. Eles começam a se levantar, trocar posições, vão revivendo aos poucos. Escolhem seus postos e agem como podem para resolver, cobrem os espelhos e se reúnem no centro do tapete, uma mulher ao canto, um gato sobre a cômoda, um menino e um carrinho, um charuto apagado, muitos acúmulos, muitos vazios, muitos vazados, poucos planos, nenhum plano, quantas duvidas, quantas partes, de quantas partes somos, em quantas partes estamos, quando partem, quando partes. Quando, quanto, ficamos todos no mesmo oco, carregamos todos o mesmo vazio. Mas é assim sempre, só que agora temos no que pensar, ou no que tentar não pensar. Agora simplesmente temos o que não temos. Somos tão corajosos por ainda estar aqui, somos tantos e ainda assim somos tão pouco.

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